sábado, 30 de junho de 2012

acordei



acordo com o estrondo
de um acôrdo
eleitoreiro e traiçoeiro

o meu desacordo é geral
esse foi o definitivo acorde:
 - não aceito

no meu canto
continuo na torcida pelo encanto
o fim do pesadelo

vou



a palavra cigana
na minha língua
engana

o vento marrano
no meu ouvido
assobia

uma conversa amiga
me tira do caminho

entre eles e eu
o destino

sobre trabalho e outras maneiras de passar o tempo





Entendo perfeitamente que, sem alternativa e na ânsia da busca do respeito próprio, uma pessoa dedique-se com afinco a um trabalho imbecil e desprovido de sentido.

Entendo também que uma pessoa, fazendo esse trabalho idiota e sem reconhecimento da sociedade - aliás perfeitamente compreensível pois a maioria dos trabalhos não tem importância nenhuma - esforce-se no sentido de fazer um trabalho correto e assim, espera-se , seja promovido e, tornando-se capataz, deixará de fazer o trabalho idiota e passará a esmerar-se ao máximo para tirar o couro daqueles que executam o trabalho imbecil e sem sentido, para que ele mesmo não retorne a um posto onde alguém estará se esmerando ao máximo em tirar o máximo de produtividade dele, para que etc., etc.

outra coisa que compreendo: temos que trabalhar em alguma coisa. não sabemos frequentemente no que podemos trabalhar que  possa nos dar algum prazer e mais, não sabemos nada a respeito de nós mesmos. somos levados de roldão para a máquina de moer carne, de acabar com as almas que se chama sociedade capitalista.


Hoje, cinquenta anos no lombo, madrugadas aflitas, 9 de julho, bixiga e barra funda, 72 praias de Ubatuba em 1984, uma bota que tem 18 anos e foi de porto alegre a bahia, permaneço o mesmo, mudando. E gosto mesmo de  devaneio, vagabundagem e malandragem.


Isso: poesia + acaso + lirismo + noites em claro + viver a vida como um artista + loucura + delírios, aqui estou. 

Se não no trabalho, onde então?

O meu respeito próprio é imenso e baseado no apoio familiar, no respeito por minhas profecias e nunca na aparência da atividade que eu esteja fazendo.

O meu dedo indicador de nascença é torto, nunca vou indicar nada a ninguém 

O Toda autoridade é ridícula, todo trabalhador é escravo, Roberto Piva 


Não obstante tudo isso, em alguns trabalhos me diverti, obviamente porque não estava trabalhando:

1 - na biblioteca da ESPM  passei tempos agradabilíssimos  explicando, por exemplo: que psicologia escreve-se com p mudo, e indicando livros de althuser, e waste land, e os homens de palha e esquecendo de goebbles e ouvindo os sinos bater cercado de livros que ninguém lia, pois estavam somente preocupado com raimar richers e cobra.

2 - fazendo pesquisa nas ruas passei por tantas situações inusitadas, e conheci tantos lugares - antes de trabalhar em pesquisa o lugar mais longe que eu tinha ido era o Cambuci - e a pesquisa eu devo minha casa, e foi através dela que eu conheci Maia.

3 -  como professor eu pude estudar. E testemunhei também o fim da minha esperança em Revolução, e escutei verdades absolutas, um aluno respondendo  a alguma  minha pergunta:

- E você, o que acha disso?

Resposta:

- Sinceramente? Foda-se.

Mas esses trabalhos, a biblioteca, a pesquisa e a escola, me tomaram muito tempo. Quando tive tempo escrevi 7 livros,que ninguém vai ler, mas aumentaram minha enorme vaidade.

Passar o tempo pra mim é isso, não trabalhar: meu maior prazer sempre foi ver a grama crescer e esforçar-me ,em vão, tentando fazer acabar a chuva; além de escrever, cantar e andar á toa.

A depender de gente como eu jamais teríamos atravessado o grande mar. 

Trabalho é para os fracos, ou quem fica se perguntando quem vai servir à mesa, ou limpar os cinzeiros, ou construir o foguetes. Eu estou preocupado com a Teoria do Caos e em perscrutar as estrelas.

O negócio, que é a negação do ócio, de novo a vadiagem, contradição em andamento, o negócio é o seguinte: na negação do trabalho, a  minha negação do modo de vida que produz pessoas infelizes, gente sem respeito próprio, sem saber do que gosta de fazer, gente que é obrigada a limpar cinzeiros, gente que não gosta de trabalhar, mas tem que trabalhar limpando mesas, gente que quer se tornar capataz.

Liberdade para as borboletas
















sexta-feira, 29 de junho de 2012

sexto sentido





minha falta de tirocínio
meu tatibitate
ausência de tato
desequilíbrio
os sentidos sem sentido
não sei para onde olhar

Uma mesa

Como uma mesa deve ser:
Sólida. Firme. Robusta.
Com quatro pés. De madeira.

Uma mesa larga
onde seis pessoas
enquanto comem
possam gesticular macarronicamente
e os pratos, muitos pratos fumegantes,
estejam dispostos de tal forma
que devamos pedir pra as outras pessoas:
-Mais feijão, por favor!

Uma mesa grande
que quando aberta
vinte pessoas levantem um brinde
e que crianças possam ficar correndo
em torno dela
e ficando embaixo delas
escutem coisas que evidentemente
não deveriam escutar.

Debaixo da mesa
eu poderia desenhar
um homem de barba
o principal de nós
ou a senhora de cabelos claros
que nos ensinou que a vida não é só aqui
ou a doce figura da Dina
colocando uma fita no cabelo da criança de rua
ou a figura gigante do meu avô
ou ainda Madri
que tanto orgulho tem de ser nossa gente.

Poderia escrever:
incompatibilidade de gênios
ou AMOR escrito com nosso sangue.

Mas eu escrevi o que meu pai
gritava nos sacudindo às sextas-feiras
o porquê jamais poderíamos fazer uma maldade:

-Somos Miele.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

leveza da minoria

a maioria
não lê, vê tv

a maioria
oprime e imprime a opressão


a maioria
é estúpida e provoca a estupidez


a maioria
seduz fazendo querer ser parte dela

a maioria engana
e enganando é enganada
 
não há como vencer a maioria
eu efetivamente nunca liguei para ela
 
a questão é refutar a ignorância a violência de qualquer tipo
 
meu coração está de guarda
esperando a hora do ofício
o pulo para as coisas difíceis
o mundo longe do arbítrio
 

presença



o céu nublado
                      o sol está lá
as folhas no chão
                      a árvore está lá
o banco vazio
                      você está lá

segunda-feira, 25 de junho de 2012

de nacionalismos, Brasil, EUA e Terráqueos

Vianna Moog é autor de um livro seminal, pouco lido, sobre  o Brasil: Bandeirantes e Pioneiros. Fala das origens do nosso país em comparação com a origem dos EUA.

O Brasil, grande interrogação, o gigante  dormindo em berço esplêndido do Hino,o Brasil tão distante do povo. Os EUA, o maior país do mundo, o país que confia em Deus, e isso está escrito na nota de dolar.

A mim não restam dúvidas que devemos pensar o Brasil como um problema. Por que o Brasil não deu certo?

Compará-lo com os EUA é um caminho comum para tentar entender nosso país - Os EUA deram certo, o Brasil não.

Passeando no senso comum, de onde saem e para onde vão as tradições e ideias que vão formar tradições, procurarei através da ideia do nacionalismo (poderia ser a ideia da corrupção, ou da burocracia, ou a crueldade da classe media, ou a hipocrisia, ou o mascaramento das questões raciais, ou etc.) analisar algumas questões sobre os problemas brasileiros.

Discutindo o nacionalismo, os problemas brasileiros, pretendo ir além, chegar a outro ponto, promover outra reflexão.

Para tanto será feita uma análise do uso da bandeira a partir das duas situações, que apontam semelhanças e diferenças do sentimento nacional evocado pelas imagens.




A imagem que representa o Brasil mostra nossa bandeira desenhada numa rua, onde duas crianças estão jogando bola. A rua está enfeitada, com bandeirinhas, talvez seja época de Copa do Mundo.





A imagem que representa os EUA apresenta uma residência americana, um bom jardim gramado, uma sólida casa ornada com babados e fitas com as cores da bandeira americana. Uma bandeira americana está hasteada na entrada da casa, outras quatro bandeiras enfeitam o jardim.

As imagens selecionadas mostram visões que o senso comum consagrou como significativas ao representar o nacionalismo de dois jovens países do continente americano, o Brasil e os EUA.

O senso comum é a maneira de entender o mundo pela experiência adquirida pelos costumes, hábitos, tradições; pela experiência do cotidiano.A construção das nacionalidades é coisa que não nasce com as pessoas, não é genética. Ela nasce de representações de uma escolha do que se quer representar. O senso comum é retroalimentando continuamente: ele é a manifestação das tradições, dos costumes, dos hábitos, e  ao mesmo tempo ele cria tradições, costumes e hábitos.O senso comum diz que o brasileiro não é patriota.

Manifestações de patriotismo só seriam verificadas em época de Copa do Mundo, quando então teríamos motivos para ter orgulho do Brasil, poderíamos manifestar patriotismo. Os EUA, ou o povo americano, seria por excelência um povo nacionalista, em toda casa americana haveria sempre uma bandeira hasteada.

A falta da identidade nacional, a falta de patriotismo,e a busca de alimentar esse sentimento, é tema exaustivamente estudado e comentado, especialmente citando o exemplo do Governo Vargas e a atuação do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda.

O DIP procurou forjar, criar uma identidade nacional, fazendo  uso de alguns símbolos como a Bandeira, o Hino. Da mesma forma, pelo DIP , no Governo Vargas, o Carnaval, o Futebol,a Feijoada, a Caipirinha, foram utilizados para a construção, tardia, de sentimentos de identidade e pertencimento.

Marilena Chauí, no texto Fé e Orgulho, primeiro capítulo de Brasil – Mito fundador e sociedade autoritária, faz uma crítica as representações que o Brasil, o Estado no decorrer dos séculos, desde 1500, quer fazer de si. Para Chauí essa representação " permite que a sociedade que tolera a existência de milhões de crianças sem infância, e que, desde o seu surgimento, pratica o apartheid social, possa ter de si mesma imagem de unidade fraterna."

Vivemos no momento uma crise das representações, criticam-se os jovens pela ausência de valores cultivados em outros momentos, pela ausência do culto á bandeira, ao hino, aos símbolos nacionais.

Talvez essa crise nos leve a outro patamar, talvez essa ignorância dos velhos hábitos seja saudável.

De acordo com o historiador britânico Eric Hobsbawn, a busca de identidade nacional é um processo político de reconhecimento coletivo de pertencimento ao Estado Nação. Os símbolos nacionais e o nacionalismo são utilizados para unificar as pessoas em torno deste objetivo comum.

São conhecidas, porém, outras definições de nacionalismo. Para Einstein “é como um sarampo, essa doença infantil da humanidade”; Dr. Johnson é o autor da legenda favorita dos internacionalistas: ”o nacionalismo é o último refúgio dos velhacos”.

A esperança sempre renovada na juventude, é que ela supere determinados paradigmas, que nós, junto com ela, avancemos enquanto humanidade.

Dessa forma, acredito que o desconhecimento dos velhos símbolos, de reverência à um nacionalismo que evidentemente é forjado e historicamente foi manipulado para justificar guerras, seja uma oportunidade de dialogar sobre a possibilidade de uma consciência terráquea.

Essa consciência terráquea é o lugar onde poderemos buscar uma integração como humanos, todos pertencentes á mesma condição: de habitantes do planeta Terra. Essa é a reflexão que eu pretendia promover.

A Terra vista do céu não apresenta as divisões territoriais que enxergamos na escala dos mapas de Mercator. Somos habitantes do mesmo planeta, a ideia de estarmos juntos numa nave me agrada, me seduz. Se é necessário forjar algum tipo de identidade, que seja essa: Terráqueos.

domingo, 24 de junho de 2012

pelos pêlos


pelos pelos caminho os caminhos que me levam a levar a boca ao céu da boca da noite na noite

voltando ao ar



cem horas sem internet

sem horas na internet

senhoras com a vida por estar

cem horas com a vida

sem honras da casa

sem computador em casa

cem horas fora da casca

senhoras convidam pra bailar

cem horas na sala de estar

sem horas pra fechar

sem horas de estar

senhoras na sala de jantar



cem horas sem internet

cem horas pra se acertar

sem horas pra se aceitar

cem horas pra ficar mais perto do meu jeito de estar

cem horas coçando a ferida da minha vida

cem horas fazendo amor como se fosse tarde

sem horas para fazer alarde

do jeito de amar como se fosse tarde

cem horas fora do ar

sem hora para voltar

sem horta pra chover

sem internet pra ver

cem horas longe de tudo e de vocês


cem horas sem internet

cem horas com meu umbigo

cem horas a perigo

senhoras a beira do precípicio

sem honras

sem horas

cem horas


sem foras

sem neuras

cem lombrigas gemendo

sem vontade de sair

senhoras tremendo por um convite pra partir



cem horas sem internet

tudo dentro

tudo em pelo

tudo sendo

tudo acontecendo

tudo girando

algo gritando

algo querendo

alguem gemendo

toda hora

tudo agora

voltou ao lugar

antitudo



antitudo

é o antídoto

contra a parvoíce

contra a camisa de força

contra a cêrca elétrica

contra a pasmaceira

dos que acham que o mundo está feito

a arte não cabe em 3 minutos

a arte cabe num minuto

num suspiro

num ai

num pingo de um i

nas 575 linhas da tv antiga

nos 14 megapilxels da tela do meu celular

arte cavalo branco a golpear

os intestinos da sociedade tumular

arte de fazer a vida uma coisa que ela não é

de ir além da sala de estar

trepar em pé

equilibrio

entre a beleza e o desconforto de estar vivo

e não saber-se o que é

e não sabendo

inventar um destino

contra a maré



quinta-feira, 21 de junho de 2012

rompi com tudo



racko eckstein

rompi com meus olhos azuis e minha cabeça chata
minhas cinco gerações de empregados
o ódio aos vizinhos
o impedimento de comer manga com leite
os traços hipoglicêmicos
o liquor da espinha contaminado
ser enterrado com os pés descalços
rompi com a parte que me cabe nesse latifúndio
com os dedos de palheta e a gengiva roxa
a alergia a lagosta e a dedos cruzados
a olhar para o mar e esquecer do mato
a brandir a espada contra a lua desesperado
rompi com tudo
e em silêncio e com estardalhaço
anúncio o pássaro faminto fora do laço

aniversário do Chico Buarque



Eu sou do tempo que Chico Buarque de Holanda era um cantor popular.
Por motivos estéticos, políticos, espirituais, eu fui da turma do Chico.
Roberto eu só fui resgatar nos anos 90.
Eu sempre vou ser da turma do Chico. E hoje sempre será meu tempo.

a vida


você sabe o que é a vida
enquanto você lê as notícias na banca de jornal sobre os crimes passionais onde o amor nunca esteve presente 
e  algumas notas sobre os bandidos que corrompem bandidos sequiosos desde a juventude pelo momento de serem corrompidos
e  vê as fotos sobre a decadência fisíca de astros de televisão que acreditaram que eram astros por possuírem o padrão fisíco daquele momento em que foram astros
sobre tudo isso, em cima da banca de jornal,
um passarinho fez um ninho.
você esquece as notícias
tropeça naquilo que você chama mato, que vai se transformar em flor, e deve ter um nome catalogado talvez por Lineu
esse projeto de flor encontrou uma brecha, arrebentou o cimento da cidade para encontrar o Sol
que você também busca nessa segunda-feira nublada quase inverno
enquanto você procura entre o milharal de carros uma saída para o outro lado da rua
seu olhar cruza o olhar do rapaz de corte de cabelo militar que fuma sofregamente um cigarro e não sabe lhe sorrir
o Sol brilhou no sorriso do rapaz que toda manhã te vê passar do balcão do bar onde ás vezes você compra cigarro, mas você hoje não comprou cigarros
está apressada angústiada com a agenda da semana
as centenas de planilhas te esperam, tudo aquilo que ficou acordado, planejado
será executado, vai acontecer
as reuniões da secretaria que você não ficou sabendo
aconteceram 
tudo foi um sucesso e logo mais ás onze horas vai acontecer outra reunião
os comunicados foram enviados
tudo ainda está de pé
o telefone toca mais uma vez
tudo está encaminhado
a aranha que caiu da teia durante uma rajada extraordinariamente forte durante a madrugada voltará a tecer seus fios
demorará a tarde inteira para subir até a janela do sexto andar, onde está a teia dela,são centenas de teias, ela terá que encontrar o caminho que ela mesmo teceu
a teia dela fica na sua janela
onde está o seu lugar de enxergar o Sol
que hoje apareceu somente no sorriso do rapaz do balcão que te viu passar
mas na janela, o que você poderia enxergar são
muitos pingos da chuva de diversos tamanhos
alguns definitivamente grandes
que seguram-se ou mantem-se ou equilibram-se ou permanecem ali
nos galhos das árvores
tudo passa tão rápido nesse dia tão comprido
logo você vai embora e hoje não verá o Sol
pois o rapaz do balcão vai embora antes de você passar de novo  perto do bar onde hoje você não
comprou cigarros
 - é melhor parar de fumar
você procura andar rápido para  pegar o ônibus que te leva de volta para casa e pisa em cima do mato, então aquele mato nunca será flor
e o passarinho deixou o ninho que fica em cima da banca de jornais que aliás já está fechada
mas você não iria olhar mais nada ali
você corre para descansar e sonhar com o trabalho
as centenas de planilhas, a agenda, tudo que aconteceu e vai acontecer
tudo que ficou acordado, tudo que tem que acontecer, você só pensa em dormir
sozinha em casa você procura um cigarro na bolsa
mas não há cigarro, não houve Sol, não houve sorriso
eu não sei o que é a vida

quarta-feira, 20 de junho de 2012

união

o desentendimento é o que nos une

através, por meio de


a espera de três compassos para interromper seu silêncio
quase me fez perder o ritmo
havia todo um caminho a percorrer
que não cabia na pauta
na busca de harmonia
alguma coisa não ficou clara entre nós dois
eu esperava que você acompanhasse de ouvido
e você ficava distráida por qualquer  ruído

sábado, 16 de junho de 2012

contagem dos dias




nos dias inúteis eu faço as coisas úteis

nos dias úteis eu faço as coisas úteras

todos os dias são últimos


nos dias íntimos eu faço as coisas vivas

nos dias vivos eu faço as coisas místicas

todos os dias são mágicos



todos os dias são dias de fazer as coisas que fazem deles dias únicos

lembrar


eu não consigo lembrar

enquanto eu falava ela fechava os olhos e lembrava de outra história.

as cartas embaralhadas, nós definitivamente bêbados, truncados andando de blusa na praia havia uma coisa que eu precisava dizer sobre ontem:

 - mas vamos ficar com a noite de hoje mesmo.

enquanto ela lembrava de outra história eu pensava no agora e abria os olhos, embora a luz da lua não chegasse para iluminar nossa vida, mas ela, ela dizia:

- vem comigo.

havia uma coisa que eu precisava esquecer, mas ela e seu silêncio, nossas mãos dadas, nossos passos trôpegos,
tantos emails sem resposta, nosso olhar perdido na praça do por do Sol, enquanto nós nada dizíamos, nossa história acontecia, nosso amor, nossas mensagens,tudo ia continuar para sempre.

eu estava um pouco bêbado,é tudo que eu consigo lembrar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

montanha russa


orgasmove-se do fundo do crânio
driblando o umbigo
queimando a carne
fazendo sentido
aquilo que nos integra
que nos faz dizer:
- Deus,
estou vivo

na duração de um suspiro



junto
aos pedaços
espamarrados
de nós dois
estamos juntos
juntinhos
colados
ao presente
contíguo
contigo
confinante
sem fim

terça-feira, 12 de junho de 2012

folha solta voa



poesia
é o anti-troço
é o traço
do eletroencefalograma
radiografia do espaço
da entranha
gravada na neblina
durante a madrugada

visibilidade zero
salto alto
no escuro
mergulho
escrito á luz da janela
lugar de infortúnio
ou solar amarelo

destino





traçar uma rota de fuga
cavalgar numa pulga
limpar a calçada
de madrugada
tirar as coisas do nada.


Na claudicante mensagem
escrita no novo pergaminho
está indicada a volta pro ninho
conseguir abrir a porta
descobrir um destino

domingo, 10 de junho de 2012

Por que sempre chove em São Paulo nos feriados?







Talvez seja uma maldição...

Na terra do trabalho, o lugar que a legenda “tempo é dinheiro” foi transformada em lei, a locomotiva do país, o non ducor duco, toda uma série de estereótipos infelizes abraçados por tantos sem qualquer reflexão, existe a sensação de que sempre chove no feriado.

As reflexões, uma pausa para a meditação, ou a contemplação, são outras coisas que não são especialmente valorizadas pelo senso comum em São Paulo.

Valorizar o conhecimento, é romper a legenda, ir além do estereótipo, ultrapassar os limites da cidade, criar uma ponte para a ilha.

A ilha de conhecimento é a Universidade de São Paulo, isolada do resto da cidade, voltas e voltas em torno dela mesma...

A ciência, e o conhecimento, não podem ficar isoladas, restritas a poucas cabeças, e a repercussão dos resultados das reflexões devem chegar a todos.

Tudo isso, isso posto, segue o link:  

http://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/laboratorios/lcb/az/TA016.pdf 

Artigo do professor Tárik de Azevedo, Geografia USP, que escreveu um texto sobre a sensação corrente que sempre chove nos feriados em São Paulo.

Tárik faz parte da nova geração de professores, que veio substituir os totens, Carlos Augusto Figueiredo Monteiro, Tarifa, entre outros, que carregaram o Laboratório de Climatologia durante anos, buscando verbas, trabalhando longe das melhores condições e aparelhos, desenvolvendo alternativas para os baixos orçamentos.

Tárik acrescenta aos trabalhos anteriores, do mestre  Monteiro  e de Tarifa , novas “evidências que corroboram a hipótese de que o ritmo das atividades humanas... é determinante nos processos que ocorrem na baixa troposfera” .

O artigo reúne todas as boas qualidades que são necessárias para a difusão do conhecimento. Partindo do senso comum, das ideias desenvolvidas em elevadores e ônibus, o autor utiliza o conjunto organizado de conhecimentos desenvolvido pelos mestres do Laboratório de Climatologia da USP, avançando, inclusive acrescentando metodologia nova, e chegando a conclusões que reforçam a hipótese da ação antrópica como modificadora dos processos naturais.

Hoje, domingo, não choveu. Com o feriado na quinta-feira a atividade humana diminuiu na cidade de São Paulo,dessa forma a hipótese de Tárik está correta.

Para que não chova nos feriados e aos domingos devemos romper com a maldição do trabalho, diminuir o ritmo da produção diminuir o consumo, promover atividades lúdicas e prazerosas e principalmente, contemplativas e vagabundativas -  inúmeras vezes afirmei que minha atividade predileta é ver a grama crescer. 

Promover a ciência e o conhecimento, criar novas pontes para que o conhecimento, a produção dele, não fique restrita á Cidade Universitária, nem às Universidades, é outra tarefa necessária.

É necessário criar, criar muito, pensar demais, desenvolver meios melhores de viver aqui na Terra.

Fugir da atividade febril e fabril, fugir do estereótipo, fazer  a Geografia servir para alguma coisa.

A ciência se aproxima das ideias de elevador,menos trabalho, a maldição é vencida, então hoje é um domingo de Sol.

sábado, 9 de junho de 2012

Keith Jarret - La Scala



Algumas imprecisões acerca das impressões causadas pela fenomenal performance do mestre zen Keith Jarrett tocando no La Scala.

A falta de rigor é minha. Incapacidade  de romper com a limitação dos meus sentidos, de estruturar o que não cabe na estrutura -  a vida é a estrutura. 

Mas a música está fora da pauta,e dentro da vida e nunca mais haverá noite igual aquela.

A indeterminação,é o próprio corpo,é o oxímoro, é o improviso de Keith Jarrett na noite de 13 de fevereiro de 1995 no La Scala de Milão.

O lugar vago, o não-lugar, onde vai chegar o mestre zen? De onde chegou o mestre zen? De onde parte Keith Jarrett? A história do menino-gênio: anos de estudo na academia, anos de estudo na boêmia; o passado eterno, o futuro presente, o verbo.

O improviso, o irrepetível, de súbito arrebatou minha carne, me levou ao coração das luzes, de repente me fez olhar para o fogo que não se repete:"Cortejei o fogo durante um longo tempo, e muitas faíscas voaram até o passado, porém a música nesta gravação fala, finalmente, o idioma da própria chama" fala o mestre no encarte do Concerto de Vienna.

Partir de um lugar seguro: espírito,corpo, técnica. O desenvolvimento dessa técnica, ele, "o mestre zen",  fala em: "recepção", fala: "sou um canal para o criativo".

O momento único, improviso de Keith Jarret, é um ataque ao racionalismo. Aqui o mestre Zen: isso não pensa, isso goza.

Improvável improviso. Não se repete. Colônia, Vienna, Paris, Rio, La Scala.

Surprender-me sempre. Outra música. Mais música, outra música.Ele não se repete e eu sempre ouço outra música, mesmo ouvindo centenas de vezes os concêrtos.

Desconcêrto, desconserto, disconcerto-me. Sagrado anticanônico, ausência de cifra, retomada de rituais pagãos, xamanismo, humano e sagrado.Demasiado humano.

As impressões, etéreas; vagas, ondas de fogo, labaredas do sem fim. A surpresa por ouvindo, ver onde ele chegou. Acompanhar esse percurso único, centenas de vezes até que ele seja incorporado como um desenho no tapete, surpresa de ver-se na Caçada, enxergar-se no mapa, ausentar-se do não lugar, imprimir-se num verbo, num corpo.


La Scala, Steinway,YouTube, VDownloader, mp3 320kbps,o concerto está registrado. Proíbe-se a transcrição daquilo que foi tocado.

Somente o concerto de Colônia foi transcrito.O La Scala, foi gravado, está no espaço virtual,está no meu pc. Sem ele eu não teria ouvido, tudo teria escapado. Eu não estaria.

No espaço virtual, entre livros, entre ouvidos, entre e abra a mente, entre a senda de Oku, entre todos os caminhos, caminhemos. Nós estamos na senda, no caminho de Oz.

Não importa onde se chega o que importa é a caminhada.

Pausa para mais uma vez o doce deleite, entre ouvir: " someone born to sweet delight, someone born to endless night". Noite sem fim, nunca haverá noite igual aquela.

São variados os caminhos e ele nos leva por eles com todos os sentidos, em todos os sentidos.Alegria de chegarmos a um lugar. Felicidade. Gozar.







falando com Lacan



   
se essas paredes escutassem
o sem número de vozes que ecoam
em todos os cérebros
e todos os sonhos que caem no olvido
no esquecimento
que não nascem
e ficam no limbo
não formam um desenho
nunca sugerirão um mapa
do desejo
um ponto de encontro
onde todos possam gozar
se as paredes revelassem o que escutaram
são desenhos na parede em busca de uma voz

e o que falam os desenhos?

os desenhos na parede revelavam o que as camadas de tinta desejavam ocultar
tudo que nós fazemos é raspar
raspar raspar
o fundo do tacho
aspereza rugosidade
fina pelicúla
o reverso dos sentidos
mistura de cheiros
humores
smells like teen spirit
resgate de sensações perdidas
mergulho sem volta no Nirvana
o apelo do fundo
sem fundo
o gozo de gozar

as paredes tem ouvidos

acaso tens ouvido o que as paredes falam?





sexta-feira, 8 de junho de 2012

encontro com famosos # 8 - Maria Mariana



Eram quatro horas da manhã eu descia a minha rua, a 13 de maio. De bermuda, chinelo e camisa estilo Bali.

Horas antes havia caído uma tempestade, acabou a luz na Paulista! Eu tinha saído de um hotel, enfiado uma mulher num ônibus - vá com Deus! - e descia a minha rua comigo mesmo,ouvindo meus passos e vendo as sombras e no molhado do asfalto, as luzes refletidas nas ruas e outras tantas coisa belas, como o vento que depois da grande chuva sopra, e o silêncio da madrugada,e as estrelas prestes a serem apagadas, brilhando como nunca.

Eu tinha os cabelos nos ombros e 4 mil dólares em notas variadas guardadas dentro de um envelope e escutava todas as noites Amoroso do João Gilberto e jogava futebol de botão com meu irmão, e juntos tomávamos garrafas e mais garrafas de uísque e fumávamos sem parcimônica nenhuma.

Eu trabalhava num serviço absolutamente insano, sem sentido algum,  indo dia sim, dia não pra quebradas várias, tipo: jardim copa 70 em mauá, cohab itapevi, cidade são jorge em santo andré e picanço em guarulhos, e pirituba, e deputado emílio carlos, e feiras livres e praças sem árvores nem bancos, numa pesquisa de audiência de rádio. E nas esquinas eu acendia charutos Pimentel, e acabávamos com o estoque de cervejas das geladeiras das padarias ao final da semana de trabalho.

Eu já tinha mais de trinta anos e morava com meus pais. Era um dia de semana e eu não iria trabalhar no dia seguinte. Ao chegar em casa eu sabia que minha Mãe, a velha China, ia estar na cozinha. Uma pequena lâmpada amarela iluminando a minúscula cozinha, o fogão aceso, café, bolo, pães, o rádio tocando "a caminho do dia" . E ela estaria ali sozinha e  viria uma conversa sempre geniosa e espirituosa, cheia de pragas e amorosidades e análises críticas do mundo, e reprimendas ao meu jeito de ser: "O que fez de sua vida?!" 

Eu descia a minha rua e a padaria Camões estava sendo lavada. Numa van com as portas abertas uma turma grande, que de longe eu achei de teatro, tomava cerveja. Dentro da Van enxergo Maria Mariana, que me viu e saiu do carro  num pulo e  me disse :

- A gente tá indo pruma festa, entra, vem comigo.

Tranquilo comigo e com meu mundo eu digo:

- Não posso, estou indo pra casa tomar café com minha Mãe.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

a cidade e alguns fantasmas



                                                                                                     nagasyma - paissandu

Aquele cara está perdido com um pedaço de papel na mão e pergunta para o rapaz que vende DVD pirata algo que aquele não sabe responder.

Eu, que sou tão educado, pergunto:

- Onde você que ir ir?

- Paiçandu...

Estávamos no Viaduto Major Quedinho, perto do atual Diário de S. Paulo, antigo Estadão, e do bar fecha nunca Estadão.

O Estadão é famoso pelo pernil...lá  eu furtei um sorvete de 1 litro de flocos, após um show do Beto Guedes que cantou de costas pra plateia no Anhembi em  1984. Estadão onde eu com o pé direito, o pé  bom, não deixei um ovo frito cair do meu prato, um filé a cavalo, no chão. O ovo escorregou do meu prato e eu matei o ovo no peito do pé  e devolvi  ao prato, isso em 1991. Em 1975 nessa esquina,  eu de sandálias havaianas, com tiras amarelas, corri atrás de um cara que bateu a carteira do meu pai. Estadão onde eu bato um pernil, e o prato  de número 10, há 30 anos, onde eu tomei uma cerveja choca em 1989, etc.

Estávamos próximos ao Estadão:

 - Meu amigo, eu disse, está vendo aquele predio grande? É a Biblioteca. Você  vai até a porta dela, a rua chama Xavier de Toledo. Você segue pela mesma calçada, vai andando até chegar a um prédio velho, enorme. Esse prédio velho é o Theatro. Atrás do Theatro é o Paiçandu.

- Ele deu as costas e saiu andando, de cara assustada por ouvir alguém dizer: "Biblioteca", "Theatro", e vá com "Deus"


                                                                                                       












Essa cidade é de ninguém.

E eu estou sozinho nessa cidade, eu e todos os funcionários negros que demoravam horas para trazer livros, que chegavam de elevador e amarrados com barbante, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade; mais os viados que ficavam conversando atrás da Pracinha ali na Bráulio Gomes; e os garçons que iam fechar negócios nas segundas feiras na galeria da mesma Bráulio Gomes que dá pra Sete de Abril.

Eu estou sozinho e os vagabundos que roubaram a aliança da minha mãe na Ladeira da Memória são outros, mas ainda são os mesmos e na frente do Theatro Mvnicipal, na frente do Mappin, e da Light, e no Viaduto do Chá, e na Barão de Itapetininga, e em todos os lugares, o centro da cidade está cheio de fantasmas que amam esse lugar horrível, que não são daqui, nem de nenhum lugar, não tem para onde ir, não sabem como chegar e não sabem agradecer quem quer lhes indicar como chegar.



Geografia Cultural - Música e identidade africana - Fela Kuti

fela kuti


Eternamente em crise, ou uma disciplina em constante busca de identidade, ou: como escapar do rótulo de simples disciplina escolar, ou : não somos um mapa pendurado na lousa, ou: isso serve para fazer a guerra, ou etc., diversas são as áreas que merecem, ou podem, servir de investigação geográfica.
 
Entre as numerosas possibilidades de estudar o papel da ação humana na superfície terrestre está a música. A Geografia Cultural incorpora a dimensão não material da ação humana ao leque dos estudos geográficos.
 
A Geografia Cultural não conta com o prestígio, ou a difusão ou o destaque, que outros campos de análise geográfica usufruem no Brasil. Roberto Lobato Corrêa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é entre nós o principal divulgador da Geografia Cultural. Ele e Zeny Rosendahl, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Espaço e Cultura, da UERJ, são responsáveis pela organização de uma coleção que conta com mais de vinte volumes publicados que enriquecem o debate e a difusão da Geografia Cultural no Brasil.
 
Num dos volumes da coleção, um dos capítulos 1 é o artigo da geógrafa Lily Kong, da Universidade de Singapura, que é considerado uma referência básica sobre as referências entre música popular e espaço, mapeando o caminho de diversas abordagens das pesquisas realizadas sobre o tema: a distribuição espacial das formas musicais, a análise da difusão dos ritmos e estilos musicais, relações entre música e a identidades dos lugares.
 
Um dos caminhos propostos para a análise geográfica da música popular por Lily Kong é: Música e construção de identidades.

Ao falar em identidade africana a importância da música, e o estudo do seu papel simbólico e não material nos estudos geográficos, assume um papel preponderante.

A identidade africana é tema de Congressos, livros, discussões. Emílio Jovando Zeca, jovem estudante moçambicano, apresentou no Instituto Superior de Relações Internacionais de Maputo, texto 2 abrangente desse tema. Embora não tenha citado especificamente a música, os aspectos culturais são relevantes na abordagem de Zeca.

Buscando na Geografia Cultural aspectos importantes para compreender a a África, entre os fundamentais nomes da música africana, e da construção da identidade africana, emerge Fela Kuti.
 
Fela Kuti é um dos principais músicos do continente africano. Pioneiro do afrobeat, ativista dos direitos humanos, teve a mãe, também ativista, assassinada em represália á repercussão da música Zombie, uma descrição dos métodos de ação das forças armadas nigerianas.
 
A música de Fela, que incorpora aos tambores africanos, e a sensualidade inerente da raça, elementos do jazz e do rock, é uma celebração à vida, induzindo ao êxtase e a reflexão, numa mistura só possível na esfera da cultura negra.



                          fela kuti - zombie

1 Música Popular nas análises geográficas. In: Cinema , Música e Espaço. Ed. UERJ, 2009.

2 A construção da identidade africana e os líderes mais representativos desse processo. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/48888748/CONSTRUCAO-DA-IDENTIDADE-AFRICANA-E-OS-LIDERES-MAIS-REPRESENTATIVOS-DESTE-PROCESSO-Final. Capturado em: 7/6/2012, 11h15