as nuvens já estavam
antes aqui
antes das mãos enluvadas
do abraço que eu não posso te dar
antes dos corpos que ficam longe
antes dos bichos que comem as carnes das árvores
e dos grilos (agora eu sei que os grilos gritam)
dos voos dos pássaros
das faces estupefatas dos cobradores de ônibus
da lavagem das calçadas
das folhas que farfalham
dos silêncios cada vez maiores das noites
das ondas de cabos televisivos brilhando no infinito
dos verbos transitivos
daquilo que eu não posso falar
da minha falência, do eterno falhar
antes do meu nome e do teu nome
dos corpos achatados
da fúria do sexo
do oblongo
da corrida solitária a noite
do suicídio coletivo
do nariz escorrendo
dos banheiros lotados
do barulhos das pipocas a estourar no terceiro andar
antes das sombras que dela provêm
antes dos suores dos amores não realizados
antes e diante dos altares
antes dos altos e baixos
antes de todos os sonhos que ainda estão por sonhar
antes
antes das formas que são mimetizadas através dessa imagem
antes desse adeus
antes as nuvens estavam aqui
e eu não as podia olhar