um gato em mim

um gato em mim

mingua

e a lua cheia brilha

viro gato

viro gato

desapareço

sem miado

sem sentidos

não me enxergo

não me sinto

não me gosto

não me escuto

não me toco

converso com meu umbigo

o amor está de volta

 

o amor está de volta

sem que eu tenha pedido

sem ter sido informado

voltou com o outono

voltou sem ser chamado

o amor voltou

sem tocar a campainha

voltou num assobio

na forma de uma rainha

de um fantasma

pulando amarelinha

o amor voltou

pra me tirar da minha

me colocar de volta na rinha

por um momento

de novo tirando casquinha

o amor esta de volta

adeus conforto

tchau serenidade

de novo frio na espinha

mais uma vez criancinha

eu vim de longe

eu vim de longe

posso estar mentindo
eu vim aqui
por algum motivo não posso dizer
eu não te vejo não te escuto eu te esqueci
eu minto, minto
não sinto, me perdi em algum lugar por aí
outro dia
outra hora
você sabe o que significa
uma página virada
sentida em cada sacada
cada porta fechada
cada não
eu ainda estou aqui

quando é preciso, erro

ambíguo, desonesto, ferro

ahhhh! mistério

velho tronco

tronco velho apodrecendo

quanta vida pulsa em ti

passarinhos cantam

sombra de pássaro

sombra de pássaro

farfalhar, cantares, corrupios

nem sombra de ti 

o que virá?

 o que virá?

um tremor de terra,
nada que mude o plano

Paris ou Salto de Pirapora

subir a montanha

atravessar a penumbra

andar, andar.

com as mãos nuas

entrego-te o que não tenho:

um pouco de ar.

ah, a noite escura

o vale e a tundra,

paisagem de sonho,

embora a possua

não és minha

e eu sou tua.

subir a montanha

deitar os olhos

em nova paisagem

outra pátria

nova noite, nua, minha, agora.

subir a montanha

Paris ou Salto de Pirapora

dar o fora.

quando a floresta

quando a floresta

ou o que dela restar 

vier cobrar a conta

como é que ela vai te encontrar?

preso

selma paiva

estou preso, heleno

sem par, sem paris

coisas dos brasis

falo

quando eu falo

quando eu não falo

ele está 

ás vezes

ás vezes te amo 

ás vezes te odeio

mas nunca te esqueço

meu coração dispara

meu coração dispara

você vem

ainda bem

pétalas de rosas

pétalas de rosas

espalhadas no chão

magnifica composição 

procuro

por alguns instantes 
na santos imigrantes

o trem sai do túnel

invariavelmente eu procuro 

o céu

ás vezes estrelas

ás vezes o sol

o dia amanhecendo

o céu cinzento

um pedaço de lua

invariavelmente

mais ninguém está procurando

o último turno, com Richard Jenkins

Um filme pesado. Arrastado. Lento. Sem grandes acontecimentos.

Esqueça os chavões: não vai haver superação, medalhas de honra, beijos na chegada.

Um filme anti-Hollywood.

Richard Jenkins tem uma grande interpretação.

Um funcionário de fast food passou os últimos trinta e oito anos fritando hambúrgueres no período noturno, e se orgulha disso. Mora num muquifo, é solteiro, amigos não são tão amigos; a família não é sequer uma foto na parede, tem essa vida miserável.

Como última tarefa no trabalho deve treinar um jovem negro em liberdade provisória. Isso está longe de ser o mais importante no filme;

no filme a vida é uma coisa que não dá certo, os humanos erram, os humanos se fodem.

O capitalismo massacra; é um dos maiores filmes americanos antiamericano que eu vi. É o lado reverso do amway.

Aliás eu já fui do turno da noite, mas não foi meu último turno

no telhado de zinco

a chuva tamborila

no telhado de zinco

meu coração palpita

belvedere avanhandava

brilho que não se esquece

caco de vidro no belvedere

não duvidre

sucesso

não tem essa de fazer sucesso

tenho outro jeito

e mostro o peito de modo diferente

nunca termina

ela canta

eu assobio

e esse mar nunca termina

huis clos

 um batuque na cozinha
de portas fechadas
meu coração fica aberto

bem te vi

bem te vi

antes d te ver

te ouvi

telhados de Paris

telhados de Paris

bem te vis

muito sons de azuis

vós

vós

falais sem saber

historias fantásticas

sem final feliz

vós

palavras ao vento 

ninguém na escuta

vós

o silêncio é de ouro

vós

sem voz

vós os velhos tempos

estão a te esperar

vós

rotina de sons surdos

vós

tu você e quem mais chegar

vós que não acreditais

vós

gritos vem de algum lugar

vós

até quando esperar?

vós

a rezar

vós

lamúrias reais

as vozes dos reis

ecoam num cérebro vazio

vós oh vós

vós

país fraturado

país fraturado

estou no lado

mais quebrado

mãos

como é que a gente se aproxima?

quando vejo tua mão está na minha

intenso bordado que se anuncia

minha cor

eu não estou aqui pra pedir favor

senhor

eu não estou aqui pra solicitar licença

doutor

eu não venho aqui pedir a benção

desembargador

eu não vim dizer amém

superior

eu não vim aqui beijar a mão

imperador

eu não vim aqui mostrar a lição 

professor

ah, eu vim mostrar minha cor!

rumo ao desconhecimento

vou rumo ao desconhecimento

aqui e ali vejo a construção de prédios

a destruição das matas

e o que há e o que não há 

o movimento está em tudo

como meu pensamento pendular

sossego e desassossego

em tantas curvas

quanto uma palavra possa suportar

onda que vem onda que vai

a marulhar

cujo propósito

seja lá o que for

me faz encantar

a explicação inútil

da força da lua

- força que me faz sonhar

essas coisas da ciência

atração gravitacional

que me impele e repele

ora a ti ora você

pedalando lado a lado

estradar

 descobri a eternidade com o primeiro beijo

vem a noite.

vem a noite.

enquanto a noite não vem

eu sonho e você?

venha noite

no entanto, a noite meu bem...

véu da noite

e eu sonho com você.

silêncio: é a noite.

a noite que vem,

talvez.

vem vem noite noite

vem.

a noite vem, note isso

anote, é a noite que vem,

e o sonho também.

oh! senhora noite!

que noite hein?!

noite envolve-me em teu manto e me faz

noite também.

vem noite vem vem sonho vem

noite, ah noite, é a noite que vem.

este mundo, Zé

este mundo, Zé, é outro mundo

um mundo que dá pé, isso é, se você for fundo.
Esse mundo, não é outro mundo, mas tem outro nome, outro mais profundo; 

diz-se em outros mundos, diversos desses vulgares mundos, mundos de profundas literaturas, fundamentais leituras, onde esse ou este, mundo,  misturam-se e fazem um diverso, ou universal, ou outro, o mesmo, mas mais profundo, verdadeiro, e puro; falamos do mundo, mundo profundo, mas que fica lá no alto, ou, Zé, ou o mundo.

dizem que não é racismo

 

Dizem que não é racismo

Há dois mil anos Jesus de Nazaré, também da Galileia, loiro de olhos azuis e cabelo loiro.
E na foto de 1930 o negro Orozimbo, o único preto da foto, amigo de meu pai, que foi padrinho de um seu filho, e que frequentava a casa do meu avô Miele, que entre outros nomes, era chamado Sinhô.
Dizem que não é racismo
em outra foto o poeta Gil, o único preto, do colégio Marista
e há menos de 20 anos não havia pretos nas novelas e nem nos comerciais de cerveja
e nem na faculdade de medicina e engenharia e na minha sala da USP só havia uma dúzia de negros entre 120 alunos
Dizem que não é racismo
chama de neguinho, chama da neguinho, diminuindo e tirando
Dizem que não é racismo
Mas se isso não for racismo, o que será, Meu Deus?!

desperdício

Sou um desperdício só

aviso-te

aviso-te quando amanhecer

aviso-te assim que acontecer

aviso-te ao primeiro sinal

aviso-te ao derradeiro tchau

aviso-te do principio e do fim

aviso-te e esqueço de avisar-me

da proximidade de nossa paixão

de quanto estás aqui

tão próxima de mim

que ora somos nós

pathos

 

quem é que vai pagar o pathos?

uma pausa

 

A flor é uma pausa, a tardinha é uma pausa, a borboleta é uma pausa, o beijo é uma pausa, o bom dia guerreiro é uma pausa; e tudo o mais é resto.

seicho

não vejo futuro

minhas lentes estão sujas

olho com as lentes seicho 

e tudo fica blue

insônia

curto minha insônia

inferno de minha insônia

vida que não quero minha

assim

eu gosto assim

tic-tac

os livros olhando pra mim

os livros

os livros mudos na estante

aguardam o instante de dizer 

tanto a mim  e a você 

que tudo muda

independente 

de mim e você

o fogo

 

afano um teu afago e nele me afogo

Bom Dia!

Saio para trabalhar as 5h40 de casa, vou subindo a Treze, a minha rua.

Nossa Igreja tem uma casa de acolhida, abre as seis. A Achiropita oferece um paliativo aos moradores de rua, um café, uma coberta. Nessa hora tem gente na porta esperando. São homens e mulheres de rua.

Desejo: - Bom Dia ! se tem gente desperta.

Hoje o rapaz respondeu ao meu bom dia:

- Deus acompanhe, guerreiro!

Que puta força ele me deu! Chorei de alegria.

jovens falando em revolução

eu sem coragem para dar uma volta no quarteirão

cabeça branca

Chaguinhas, santo popluar

Na capela dos Aflitos, rua dos Aflitos 70, Liberdade, está enterrado Chaguinhas, santo popular, não canonizado pela igreja.

Chaguinhas, negro, foi o único executado, antes de 1800, num levante militar por melhores salários.

Ele deveria ser morto por enforcamento, mas a forca quebrou três vezes; o costume era, se a forca quebrasse, que o condenado fosse perdoado. O povo gritava:

- Liberdade! mas Chaguinhas foi morto a pauladas.

O nome do bairro Liberdade vem desse episódio.

Naturalmente estou chorando.

Sou devoto de Chaguinhas, e sempre acendo sete velas em memória desse herói popular.

Se puder conte essa história para seus filhos e netos.

Reze essa oração:

"Pedimos licença a todas as almas de todos aqueles que foram enterrados nesse Campo Santo dos Aflitos, especialmente ao gloriosos Chaguinhas para que meu pedido seja aceito, em nome de Deus Nosso Senhor e de Nosso Senhor Jesus Bendito e de nossa mãe Nossa Senhora dos Aflitos!"

minha versão dos fatos: when the stars come out, Chris Stapleton

meu sentimento esta noite é:

deixar as coisas pra lá,

porque quando as estrelas começam a ficar perto demais

é hora de dar o fora.

as coisas mudam

como você muda as páginas de uma revista

sem dar muito bola pra nada

buscando a salvação no acaso

ficando muda

e com o brilho das estrelas cada vez mais perto

mais dia menos dia

com mais diversão ou menos diversão

junto aos amigos e dos inimigos

eu não estarei mais aqui

mas agora

o que me importa é ir cada vez mais pra longe

de tudo isso aqui

fall

as folhas caindo e nós também

a isso chamam, em algum lugar,

paixão.

ouça-me

seu eu falo, falho.

se me calo a vacuidade me atormenta.

se eu grito, ah! você não me escuta.

então ouça meu erro

mais uma vez

até que eu aprenda.

 

tardinha

o momento de transição entre o dia e a noite, entre a noite e o dia; fenômeno ótico, tudo devidamente explicado; coisa de Deus, sem explicação.

o lusco fusco, a luz que foge; e eu preso, e logo solto, entre o humano e o divino; quase.

arrebol, entardecer, crepúsculo, ocaso, tardinha.

sorte de quem tem as janelas abertas

escrevo-te

escrevo-te

ora te escrevo

porque não o beijo?

a noite cai

a noite cai

e eu saí a juntar estrelas