1978 O time do Mantiqueira ia jogar bola na Praça Roosevelt. Micali, os irmãos Eduardo e Fábio, Paulinho e Márcio, Marcelo Pereira, Edgar, Renato, Marquinhos e eu. A Raça toda. Eduardo pergunta para mim se eu já conhecia a nova música de Belchior, aquela que falava da angústia do goleiro na hora do gol. 13 anos eu tinha. Íamos perder mais um jogo. Mas algumas coisa eu não perdi nunca.
Poderia ser Bedford, ou algum pico do Bronx, onde eu ainda vou dar um rolê... mas é o BB, o Bairro do Brás, onde eu já dei meus rolês. Esse cenário de destruição de pós guerra, pós tsunami... a atração pela queda: thanatos é um deus muito forte.
Bairro é Brás, Pari, Bom Retiro, aliás o maior de todos é o Bonra, quer ver São Paulo, é o Bom Retiro.
Mas o Brás é muito louco, tipo: morreu, acabou destruído, uma puta velha, muito louco dar um rolê no Brás, se encontrar três italianos e um espanhol é a mega-sena.
hang on não há mais ninguém aqui hang on mantenha-se fora da linha hang on ousadia e paixão,onda cristalina hang on você nunca mais está sozinha hang on que bom que você está parada na minha hang on tão linda, nem imagina hang on eterna ferida hang on estamos quase lá, na Indochina hang on quando menos se espera, pumba, o dia termina hang on ainda ontem eu te escrevia hang on deixe de mistério, você não adivinha hang on tudo por quase nada, um fio, uma linha hang on quando eu menos queria eu tinha hang on segure em minha mão hang on confie uma vez na vida hang on tudo por um triz na tua vida hang on as coisas estão por aí hang on eu e você, a tardinha hang on como está fica hang on não perturbes o major tom hang on estrela matutina hang on lance o coração hang on de novo, juntos
Um corpo de mulher jogado na praça de alimentação do hipermercado. A mulher está morta, foi degolada. O corpo está coberto por jornais. Uma poça de sangue não para de crescer. Sabe-se que a mulher foi degolada pelo marido. O marido não admitia que ela trabalhasse. A mulher tinha 23 anos. Após sete anos de convivência, "o filho já podia frequentar uma escolinha", ela resolveu trabalhar. O marido foi ao hipermercado, esperou ela ir almoçar, e na praça de alimentação tirou um facão de uma bolsa e a degolou. Uma fita amarela e preta, sustentada por quatro torres de um metro e meio de altura, separa o corpo, degolado - a poça de sangue aumentando - jogado no chão e coberto por jornais, dos frequentadores do supermercado, que fazem algum tipo de refeição ali. A fita separa o corpo alguns poucos metros, três ou quatro metros, das pessoas que estão comendo. Estudos comprovam a conveniência de, em ambientes de compras como shoppings, hipermercados, malls,etc. existirem lugares onde se possam fazer refeições. Segundo a revista Seleções desse mês ( achei a revista no lixo) pesquisa recente " provou que a freguesia gasta quase 20% mais num lugar de compras se contar com uma boa praça de alimentação". A comida é podre, a carne é podre, o café nunca é bem tirado, tudo é pré-cozido e plastificado. Sub-sub-sub comida.Vende-se de tudo ali: tapiocas, coxinhas, água de coco, manjares, sorvetes, bombons, pães de queijo,e muitas outras guloseimas. O cheiro de bacon e óleo empesteia o lugar, mas poucos sentem qualquer coisa. As pessoas comem de boca aberta e não param de falar. Nunca, jamais, de modo algum, elas ficam quietas. Algumas falam mesmo sozinhas, não com elas mesmas, mas com algum perseguidor imaginário. A maioria fala ao celular. O Celular é uma acessório muito usado pelos patrícios, deve haver um sem número de pesquisas, qualis e quantis, sobre isso, o tempo que as pessoas ficam falando ao celular e o tipo de conversa que elas tem. Na Seleções desse mês, que achei no lixo, não havia nenhuma matéria sobre isso, o que as pessoas conversam ao celular, no entanto tráz matérias sobre "nosso corpo incrível", "12 ideias que deram certo" e outras que eu não recordo. O Som alto continua anunciando ofertas: biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, etc. O mesmo disco, o da novela, roda o dia inteiro. Enquanto o corpo da mulher morta e degolada está jogado no chão do hipermercado as pessoas, entre uma compra e outra, aproveitam para comer alguma coisa e colocar o papo em dia. A poça de sangue não para de crescer.
O São Paulo foi jogar contra o Sevilha, quer dizer, o time que Deus jogava. Não consegui chegar ao estádio, um congestionamento dos diabos. Ouvi o jogo no rádio. Colocam Rivelino para falar com Diego. Diego diz: - Maestro! Maradona diversas vezes falou que o Riva era o ídolo. Rivelino e Maradona< porque eu adoro o lado esquerdo da vida, o lado errado.
Uma família de bolivianos segue de mãos dadas pela avenida em São Paulo. Embora não seja um costume na Bolívia, aqui a família segue andando de mãos dadas. Um bom costume brasileiro, entre tantos costumes que a família boliviana adquiriu em 7 anos vivendo aqui. Papai boliviano, mamãe boliviana e o menino Johnny seguem de mãos dadas, quase sorrindo. Previdente o pai segue no contra fluxo. Com uma mão segura forte a mão do menino, com a outra a mão da mulher. Na Bolívia, na região de onde vieram, não poderia andar de mãos dadas com a mulher: essa deveria andar atrás dele. Gosta do Brasil, acha legal as coisas aqui, legal poder andar de mãos dadas com a mulher. O sol bate forte, ontem choveu e amanhã sabe-se lá o que vai acontecer. A 150 quilômetros no carro esporte, após uma noite intensa de balada, volta para casa no Morumbi o jovem Pedrinho, que tem o mesmo nome do avô, e seguirá a mesma profissão desse: advogado. Embora não escreva corretamente, assim diz o vovô, logo terá uma boa redação, o sangue e a prática, a técnica e o espírito, são coisas que vem do berço, dizem por aí. Muito seguro, o Pedrinho. Extremamente confiante. Lutador de Aikido. Jogador de Polo, inclusive surfista. Vangloria-se de poder ficar dias seguidos acordado ( o recorde é de 93 horas! mas fazia frio e ele estava numa estação de esqui...) Volta correndo para casa, pois é domingo e a visita mensal do vovô. O bate-papo na varanda, os aperitivos, as recomendações sobre os negócios, são coisas que Pedrinho não quer perder. Vai tomar um belo banho, recompor-se completamente e apresentar-se de forma mais que conveniente ao vovô. Os bolivianos vão a feira, dos bolivianos, por supuesto, ou seja lá a forma como os bolivianos digam: vamos a feira é claro, hoje é domingo. O jovem advogado volta para casa a 150 quilômetros, o carro pode muito, pode mais, e devemos dar as coisas, e as pessoas, aquilo que elas podem dar, é uma lógica muito corrente e bastante prática, assim diz o bom senso. A família para por um instante. A cidade é feia, muito feia, mas agora o papai boliviano enxerga algo bonito. No carro Pedrinho, que tantas coisas bonitas já viu na vida, olha para o lado e também enxerga algo bonito. O carro a 150 quilômetros, o jovem voltando semi bêbado da balada, a família andando na avenida, o Sol forte. Ronco do motor e vento forte, tipo 150 quilômetros por hora. Balançar de roupas,nenhum tremor do carro. Sorriso dos bolivianos, sorriso de Pedrinho ao volante. Tudo acabou bem, porque eu não gosto de finais tristes.
e quando eu vou ao outro predio da escola e sou cercado pelas crianças da 5ª série com abraços e beijos e cumprimentos de mão sofisticados e ritualizados que acabam em espetaculares espalmares e vivas no ar, e a mim elas deram o nome de pastor quero chorar , mas eu sorrio. Só rio porque a felicidade existe, existe o amor, existe a paz, existe a bondade e existe a criança em mim em você e delas é o reino do céus
gato preto morto estatelado virou um capacho pra pneu de carro não, não é um desenho animado ele não vai voltar a deslizar de novo é a merda da vida você atravessa uma rua e miau
Eu de óculos, Marcinho e minha mãe, a Chelo. E mais meus amiguinhos da Vila Itororó, Vânia e Miguelzinho Essa foto tem mais de 40 anos. E lá estou eu feliz. Felicíssimo. Incapaz de falar um palavrão, de fazer uma peraltice, de quebrar um copo, de quebrar um relógio na casa da vó Sinhana, incapaz de quebrar um aparelho de TV na cada da vó Dola, incapaz de dar sardinhas nas tias, incapaz de atravessar uma rua sem pegar na mão da mamãe, incapaz de dar bicas em palhaços, incapaz de tomar atitudes desagradáveis, de quebrar vidraças, de responder aos mais velhos. Minha mãe me deu o apelido de estrepe, que é uma ferpa que entra dentro da pele e custa muito a sair. Eu sou ainda esse menino, só que finjo bastante.
eu tinha, mas faz muito tempo. eu perdi, mas depois eu ganhei. eu achei, mas não era nada daquilo. eu sonhei, mas foi um pesadelo eu sorri, mas queria chorar. eu quis tentar, mas desisti e longe na praia não era você que estava ali
fazer esse monumento a todas as coisas sem finalidade as paixões impossíveis aos fracassos superlativos as grandes cagadas um monumento de areia que desabe ao menor sopro que não dure o tempo de ser pixado não fique o tempo de ter seu autor esquecido que não permaneça o tempo para ser questionado esse monumento não precisa ser cercado não terá nota no jornal nem placa de inauguração sem homenageado sequer um heroi anônimo para ser cultuado monumento de merda edulcorada de bolha de sabão de papeis amassados de frases que nunca foram lidas de poemas excluídos o monumento do grande nada sem resquícios de vaidade sem interesses outros de ser construído feito para ser imediatamente destruído deletado o monumento das coisas inacabadas
Aniversário do Wilson Grey, parece-me que o outro tempo era melhor, mas deve ser somente impressão.
O Wilson Grey é brasileiro, apesar da gente não saber o que é isso e não gostar disso.
Ele não é um tiozinho, quer dizer, a gente sabe o que ele quer quando põe a menina no colo. Inclusive ele é um sofredor, e não obstante sabe rir. E ri na hora errada. Adora um enterro. Tem medo da morte. Na verdade não acredita em Deus, ele engana Deus. Não acredita na própria morte, mas foge dela como quem foge da cruz. Não gosta de trabalhar e trabalha até morrer. Joga na loteria " nunca deu elefante, 347..." Amou uma vez e depois: - Nunca mais! Apaixona-se a cada batida de pandeiro, por dentinho torto,frases como "agora você me deixou desconfiada!" Ele não está nunca na direção, as vezes tem que empurrar o carro. Nunca saiu do país, o lugar mais longe que ele foi é a Gamboa, mas faz-se entender até na China. Não sabe onde é a China, mas sabe que é longe. Por duzentos mirreis puxou uma cana, cumpriu uma etapa, dormiu de olho aberto três dias, mas já esqueceu disso. Não gurda mágoas, não tem bolsa, nem gaveta. A mudança cabe num envelope pardo: uma cartinha da mãe com algumas recomendações preciosas. Não conheceu o pai. Trocaram algumas palavras, uma vez e bastou, nunca esqueceu. Sonha com ele, ás vezes com um dragão, outra como um cachorrão, em outras ele é um amigo. Não gosta de criança. Tem quatro afilhados. Um dia ele pensou até que a coisa ia engrenar " as verdinhas vão chegar!, mas qual. A frase que ele sempre repete: - O que fode tudo é a esperança.