Esquecido por todos, Spencer está esparramado no chão, tamborilando distraidamente uma mazurka, uma valsa tosca, e dança com os dedinhos.
Na sombra, distante da luz que chegava da estrada, distante da chuva que cai, distante de todos, observa da plateia, a não-ação desenrolar.Parece que uma orgia irá começar, mas tanto faz.
O corpo esticado, uma perna dobrada, a cabeça pendida para o lado, adivinhou o final, aspira o ar devagar e está pronto para partir.
Os outros, o negro cortês, o índio valente, a puta amorosa, o jovem idealista, vivem suas rotinas como se estivessem num teatro, falando como se falassem para espectadores, mas permanecendo surdos, porém e entretanto, para o mundo.
A apresentação cartesiana das personagens, seus pequenos dramas, suas vidas insossas, seu destino previsível, seus amores impossíveis, tudo tão infinitamente tedioso...
O fim de todos só podia ser um.
Entre esses pequenos dramas, os dramas maiores, coletivos, também não interessavam a ninguém. Repetidos ensaios em sociologuês barato, saídos das máquinas de palavras, sem encontro possível de eco, sem chances de fazer despertar nada nem ninguém.
Enquanto discutem ao redor da fogueira, sonhando o impossível,prestes para iniciar uma bacanal, o grupo não percebe a retirada do gatuno Spencer, que, levantando suavemente, antecipou-se em muitos minutos à chegada do grupo que havia prometido incendiá-lo. E, ora vejam...
O bando que havia permanecido na Taverna, sem nada para distrair-se, lembrou do prazer de incendiar mendigos. Rindo alto, cantando canções de bravata, de porretes nas mãos e lindas tochas, caminhava célere com a intenção firme de por fogo na velha estação ferroviária,e assim incendiar o vagaba mor,o velho Spencer.
Spencer sequer deu-se ao trabalho de assistir ao incêndio.
Não viu o bando cercar a estação e não dar nenhuma chance aos que, entretidos com a orgia, não tinham olhos nem ouvidos para nada que estivesse fora do alcance imediato das mãos.
A Estação em poucos minutos estava inteiramente destruída, não houve tempo para heroísmos ou discursos moralistas e edificantes. Da mesma forma que chegaram ao mundo, partiram. Não deixaram marca nenhuma no mundo, não encontraram sentido em nada, viveram e só isso.
Spencer, as solas dos sapatos gastas, a roupa poida de volta a estrada, o dia quase amanhecendo, pôs-se a cantar, sem necessidade de aplausos ou medalhas, beijo de namoradas, tapinhas nas costas ou medalhas.
Cantava para si, feliz e somente feliz.
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