segunda-feira, 28 de março de 2016
o coletivo
não pude sentar no lugar de sempre.
os dois jovens, pernas arreganhadas, dentes ao vento, som alto, palavras estúpidas,grasnando, rindo alto, a estupidez, os tapinhas, o vazio, e o vento? estavam sentados onde costumo sentar.
Sento onde o Sol bate durante quase toda viagem, onde não há janela e nem refresco. No banco de trás ele começa a chupar o dente, e não para. Uma vez. De novo. Mais uma. Fala qualquer coisa, poderia ser até árabe, é só o massacre daquela inculta e bela. Vai encontrar-se com alguém, resmunga, xinga.
Troco de lugar.
Desço do bus.
No metrô, sim, o lugar de sempre. Por quê? a experiência deve servir para eliminar o sofrimento, a busca do vento, a sombra, o lugar mais perto da porta, eliminar as barreiras, descer perto da escada rolante, longe do meio fio, do massacre da serra elétrica, da turba cruel, de novo as janelas, o destino reto, sentar-se de frente para o mundo em movimento.
Chorar só em casa.
Ela tosse. Tosse seca. Sem barulho. Repetidas vezes. Não protege a saliva que pode escapar, não cobre a boca ao tossir. Batuca.
Outro lugar, de novo só isto: outro lugar.
Segura uma pasta, pasta vagabunda de laboratório. Olha pra mim, olhos arregalados, cabelos crespos, enrolados, cachos grandes e bonitos, os ombros nus, decote. Olha pra mim e mostra o resultado do exame:
"Biópsia de mama... 30 anos... exame anatomonatológico... doença fibrocística... T3... tumor maior que 5 cm..."
Olha fundo pra mim e pergunta:
- O que é que eu vou fazer????
- O que eu sei é que tem um monte de coisas que não se pode fazer em transporte público.
Levanto e saio, chegou a minha parada.
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