- VOCÊ SABE QUE LUGAR É ESTE?
Puxa pela camisa, joga no chão. Sou uma maçaroca, um bolo de carne moída.
Corte profundo no antebraço; tento estancar o sangue. O sangue não pode sujar a viatura. Não sangra mais por falta de sangue; sou um troço vestido, estou prestes a me cagar inteiro; eu sei: se cagar na calça aí é que estou pego, não vão colocar um cagado na viatura.
Minha chance de sair vivo daqui é minima, só um milagre, ou a sorte grande, ou o acaso, tudo que no fim é a mesma coisa, só o improvável pode me salvar.
Chute na cabeça, pisada na cara. Não sei se choro, se grito, mas não posso sorrir, que é o que eu definitivamente queria, mas não tenho culhão, sou o que já era, agarrado a uma chance minima.
Meu dinheiro já têm. Sabem quem eu sou, minha participação, o nome de todo mundo. Não tem nada de bronca particular, não estão na minha bota, não estou pedido, pra nós todos é só mais uma noite de sábado. Mas para mim (agora eu me cago) ou vão me matar ou me deixar aqui bem zuado.
- VOCÊ SABE QUE LUGAR É ESTE?
Durante o dia as crianças brincam, no morro,quase última reserva da mata do Bixiga, onde resiste alguma árvore de fruta; pitanga, amora, jaca, fruta que não vende no supermercado, fruta nossa mais gostosa. Brincam de pipa,subir em árvore, coisas que não tem dinheiro que pague. E o povo fuma um baseado lá em cima, no alto do morro, de dia mesmo, curtindo uma paisagem, desfrutando até a gritaria das crianças. A noite é só sossego, só baseado.
Rua sem saída, a ruinha. Ela é fundo de uma casa, a casa da fita, enorme, casa de deputado, de bacana, de empresário.
a rua sem saída faz uma curva, um cotovelo de moça, fino, e termina onde agora estou, o muro baixo que separa a rua, do morro. Quem está embaixo, na bica, pode nem imaginar que lá em cima tem a mansão que foi roubada, quatrocentas milhas, quase quinhentas só em dinheiro vivo, não foi preciso mais nada.
- VOCÊ SABE QUE LUGAR É ESTE?
Dois guardas estão conversando baixinho, fumando cigarro. O motorista, novinho, se eu fosse ver de novo nem saberia qual a cara.
Ele, o Algodão, continua me batendo, ele quer me ouvir gemer, o sangue escorre, quente, salgado.
Tira o revólver , olha pra mim.
Não sem espanto, sem chance pro improvável, olho pra Lua, acho que fui feliz.
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