Entendo perfeitamente que, sem alternativa e na ânsia da busca do respeito próprio, uma pessoa dedique-se com afinco a um trabalho imbecil e desprovido de sentido.
Entendo também que uma pessoa, fazendo esse trabalho idiota e sem reconhecimento da sociedade - aliás perfeitamente compreensível pois a maioria dos trabalhos não tem importância nenhuma - esforce-se no sentido de fazer um trabalho correto e assim, espera-se , seja promovido e, tornando-se capataz, deixará de fazer o trabalho idiota e passará a esmerar-se ao máximo para tirar o couro daqueles que executam o trabalho imbecil e sem sentido, para que ele mesmo não retorne a um posto onde alguém estará se esmerando ao máximo em tirar o máximo de produtividade dele, para que etc., etc.
outra coisa que compreendo: temos que trabalhar em alguma coisa. não sabemos frequentemente no que podemos trabalhar que possa nos dar algum prazer e mais, não sabemos nada a respeito de nós mesmos. somos levados de roldão para a máquina de moer carne, de acabar com as almas que se chama sociedade capitalista.
Hoje, cinquenta anos no lombo, madrugadas aflitas, 9 de julho, bixiga e barra funda, 72 praias de Ubatuba em 1984, uma bota que tem 18 anos e foi de porto alegre a bahia, permaneço o mesmo, mudando. E gosto mesmo de devaneio, vagabundagem e malandragem.
Isso: poesia + acaso + lirismo + noites em claro + viver a vida como um artista + loucura + delírios, aqui estou.
Se não no trabalho, onde então?
O meu respeito próprio é imenso e baseado no apoio familiar, no respeito por minhas profecias e nunca na aparência da atividade que eu esteja fazendo.
O meu dedo indicador de nascença é torto, nunca vou indicar nada a ninguém
O Toda autoridade é ridícula, todo trabalhador é escravo, Roberto Piva
Não obstante tudo isso, em alguns trabalhos me diverti, obviamente porque não estava trabalhando:
1 - na biblioteca da ESPM passei tempos agradabilíssimos explicando, por exemplo: que psicologia escreve-se com p mudo, e indicando livros de althuser, e waste land, e os homens de palha e esquecendo de goebbles e ouvindo os sinos bater cercado de livros que ninguém lia, pois estavam somente preocupado com raimar richers e cobra.
2 - fazendo pesquisa nas ruas passei por tantas situações inusitadas, e conheci tantos lugares - antes de trabalhar em pesquisa o lugar mais longe que eu tinha ido era o Cambuci - e a pesquisa eu devo minha casa, e foi através dela que eu conheci Maia.
3 - como professor eu pude estudar. E testemunhei também o fim da minha esperança em Revolução, e escutei verdades absolutas, um aluno respondendo a alguma minha pergunta:
- E você, o que acha disso?
Resposta:
- Sinceramente? Foda-se.
Mas esses trabalhos, a biblioteca, a pesquisa e a escola, me tomaram muito tempo. Quando tive tempo escrevi 7 livros,que ninguém vai ler, mas aumentaram minha enorme vaidade.
Passar o tempo pra mim é isso, não trabalhar: meu maior prazer sempre foi ver a grama crescer e esforçar-me ,em vão, tentando fazer acabar a chuva; além de escrever, cantar e andar á toa.
A depender de gente como eu jamais teríamos atravessado o grande mar.
Trabalho é para os fracos, ou quem fica se perguntando quem vai servir à mesa, ou limpar os cinzeiros, ou construir o foguetes. Eu estou preocupado com a Teoria do Caos e em perscrutar as estrelas.
O negócio, que é a negação do ócio, de novo a vadiagem, contradição em andamento, o negócio é o seguinte: na negação do trabalho, a minha negação do modo de vida que produz pessoas infelizes, gente sem respeito próprio, sem saber do que gosta de fazer, gente que é obrigada a limpar cinzeiros, gente que não gosta de trabalhar, mas tem que trabalhar limpando mesas, gente que quer se tornar capataz.
Liberdade para as borboletas
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