Ela tinha saído para dar. Como se
diz: saiu pra fuder. Desceu as escadas, se encontrasse alguém pelo caminho
daria.
Conforme ela saiu ele encostou na
parede e desabou. Chorava, como se diz: - convulsivamente. Tremia-lhe o corpo todo; o
choro convulso é aquele que a pessoa não tem controle, simplesmente não se
consegue parar. O rosto vermelhão fica sobremaneira molhado, enrugado; o corpo
rubro, desarranjado. Pegou o telefone, as mãos tremiam, tinha as unhas
quebradas, os dedos doíam; discou um número com dificuldade, tentou de novo e
mais uma vez:
- Manhêeeeeeeeeeeeeeeee!!!
Ainda não eram dez horas e desde
que havia amanhecido eles já haviam transado três vezes; como se diz: - trepado
três vezes.
Não se fez de rogado, contou à
mãe.
Havia conhecido no bar do seu
Luis na sexta feira meia-noite. Ele não gostava das sextas, como se diz: - dia dos bêbados amadores. Chovia, como se
diz: - torrencialmente. A porta
semiaberta semifechada; ela entrou. Estava seca.
Ela puxa para índia; fala essa
língua de paraguaio – hoje o tempo é de venezuelano, então língua de
venezuelano. Cabelo escorrido, enorme, na cintura. Preto. Petróleo. Parece
índia, parece morena, parece mulata. Mais pra baixa, menos para gorda, cheinha.
Lembrou agora falando pra mãe que os olhos não eram verdes, como era de se
esperar, mas de um azul como não tinha visto: um azul quase preto, como se diz:
- azul meia-noite.
Ela foi até o balcão e disse:
- Cachaça!
A voz saiu grave, contralto
baixo, límpida e sonora, destoando do corpinho.
Seu Luis encheu um copo, ela
segurou a garrafa.
Quem pôde, ou quis, saiu. Ele
ficou.
A chuva parou, a garrafa secou.
Ela olhou pra ele e disse:
- Vou
contigo.
Ela quis dar pra ele na esquina;
levantou a saia, abriu a buceta com as mãos e disse: - Vem.
Ele a segurou pelo pescoço e a
levantou; ela sorriu.
O prédio velho na Luis Barreto,
sem zelador, sem porteiro, a porta sempre aberta. Ela queria na escada, ele aplicou
uma chave de braço e a empurrou aos tropicões escada acima.
Um homenzarrão. Andado nos
quarenta; entre idas e vida, uma temporada na Bahia, uma etapa em Epitácio.
Estava de volta ao Bixiga. Morava num apartamento cedido, quarto e sala, um
luxo. O irmão trabalhava na Leroy Merlin, comprou em prestações, quinze anos.
Quando acabou de pagar, um infarto, dois dias depois, como se diz: -
fulminante. A mãe deixava ele morar lá sem pagar aluguel, prejuízo por
prejuízo, menino sem juízo.
Hirsuto. Grandalhão. Folgado.
Encrespado. Encardido. As mãos enormes; os antebraços de balconista português.
Todos os dentes na boca. Sapato 45. Áspero.
Gabava-se de carregar motor de
fusca no braço. Não tinha um único registro na carteira, nunca assinou um livro
de ponto, bateu cartão; como se diz: - não nasceu pra ter patrão.
Sua vanglória era nunca ter
falhado.
Gostava de briga, inclusive de
faca.
Sua palavra era considerada. Sem
vacilação.
No apartamento partiu pra cima
dela como de habitude, como se diz: - um
estupro. Ela sorria.
Ficou em cima dela por sete
horas. De lado, de pé, de quatro. Deitado, de cabeça pra baixo. No chuveiro, na
cozinha, em cima da mesa e da mesinha, pendurado no lustre, na janela vendo os
ônibus passarem no viaduto da 9 de Julho, em cima dela e ela sorria. O tempo
inteiro. Ora ela dava também gritos, ora
parecia levitar; tremia o corpo, falava essa língua enrolada. Às vezes cantava
canções infantis.
Não lembra de terem comido ou ido
ao banheiro.
Á noite do sábado passaram nessa
toada, ou como se diz: - nesse rock.
Domingo de manhã ele desmaiou.
Acordou no fim da tarde, cheiro de fumaça e enxofre; escutou um barulho na
sala. Três homens, dois crioulos enormes e um magrinho e uma velha estavam com
ela. Uma sujeirada de copos, bitucas e um saco de ráfia com maconha saindo pela
boca num canto. Teve forças para pegar o taco de baseball e acertar a cabeça de
um negrão. Levou uma pernada e dois safanões e caiu de cabeça na mesa de
centro. Desmaiou de novo.
Acordou no meio da madrugada com
gosto de sangue. Estava desfalcado da TV de LED de 60 polegadas e de dois
tamboretes – um par de bancos que ele mentia ter trazido da Bahia, mas ganhou
numa rifa da Achiropita, coisa fina, talvez marroquina.
Começou a arrumar a bagunça, que
era grande. Os vizinhos não acudiram, nem chamaram a polícia, estavam cuidando
das próprias orgias.
Procurou a pequena pela casa; a
encontrou quieta num canto lambendo uma ferida no braço esquerdo: um talho de quase
vinte centímetros.
Ele pegou a corda do varal e a
amarrou na cama, ela sorria. Gritou por ele, suplicando amor. Sacudia a cama,
como no filme do exorcista. Ele pulou em cima dela sem outra alternativa.
O alvorecer não foi lindo, chovia
e trovoava. Ela dizia versos; se ele conhecesse poesia... “no quiso tocar la
orilla mojada, su bello caliente com moscas de plata”.
Exausto, exausto. O corpo
escamava, grossas gotas de um suor preto escorriam dele. Sentia pontadas no
peito e o pinto estava esfolado e sangrava. Parecia ter emagrecido dez quilos O
sangue da cabeça estava coagulado de um lado, cheio de poeira. Do outro lado
pus esverdeado. Estava acabado.
Olhou pra ela, dois olhos
imensos, o azul meia-noite. O talho do braço, misteriosamente, havia sumido. A
desamarrou, derrotado.
Ela num pulo, ainda nua, apanhou
a jaqueta favorita dele, de couro marrom, lembrança da Evani, e saiu sorrindo.
Conheceu suecas na Bahia, e
bichas em Epitácio. E israelenses, argentinas e árabes nesse velho Bixiga. E
mais gaúchas, catarinenses e baianas. Negras e mulatas e japonesas no Vai Vai.
Nunca havia topado com uma tipa dessas, como se diz: - algo sobrenatural.
A mãe pelo telefone falou para
ele trancar a porta e abrir as janelas. Acender uma vela. Rezar um terço.
Passar creolina na casa. Ponhar bicarbonato nos ralos. Na primeira hora correr ao seu Ivan, pedir um
banho de ervas, um passe. Recitou, e pediu para ele repetir, uma prece para
afastar os maus espíritos.
Ele correu a trancar a porta.
Quando jogava bicarbonato no vaso, lembrou do basculante da cozinha aberto. Correu
em desespero.
Ao chegar na sala ela estava de
vestido novo. Os olhos azul meia-noite enormes. Sorriu e disse:
- Cachaça!






