domingo, 12 de dezembro de 2021

casa Gucci



entretenimento.
cuidado como entretenimento!
há tempos pensei em escrever um artigo sobre o "plano americano" sobre o "enquadramento" do filme americano. esse plano cinematográfico enquadra os atores do joelho pra cima; ora, num desenho infantil a falta de base, com pessoas flutuando, revela insegurança, pessoas sem apoio.
Não á toa o plano americano privilegia, nos filmes de cowboy, os revólveres. 
A influência dos filmes americanos na vida dos americanos, na vida de nós, também americanos, mas menos americanos que eles (esse o plano americano?) e de cada canto do mundo, craro cróvis, é enorme.
nesses milhões de filmes americanos de entretenimento repousam, segundo minha ideia, o grande plano americano de fazer cabeças.
Casa Gucci:  a social climber, a pobre menina, nem tão pobre assim, mas perto dos Gucci..., a menina carreirista que conquista o ingênuo príncipe abobalhado e toma decisões, tem faro comercial, tino, e mais que ajudar, é a verdadeira agente de tomadas de decisões...essas velhas estereotipizações, enquadramentos de personagens com poucas nuances...
O filme é longo, mas o Ridley Scott segura uma produção assim. Assim é o que se espera, estereotipadamente, de um filme com assinatura dele, e assim é o que acontece.
Por ser longo até aparece uma ou outra nuance; o abobalhado deixa de ser abobalhado (reata? um romance com uma amiga de juventude, colocando no lugar a pobre Patrizia) e Patrizia, Lady Gaga, a italianinha, Lady Gaga, eu torço por ela, é o orgulho da italianada! que num olhar no começo o filme enxerga um peixão ao ouvir o nome Gucci, no quarto final do filme só quer defender a família,etc. Faz mais um filme com uma interpretação correta, com sensualidade, grandes olhos e explosões macarrônicas de signoras italianas
Aldo, Al Pacino véinho, e Paolo, Jared Leto irreconhecível, e irretocável na sua interpretação de um idiota, são a parte brega da família. Jeromy Irons atua como se fosse um conde, o verdadeiro Gucci, invenção de novos ricos, que com o dinheiro se tornam a verdadeira nobreza.
Gucci, um nome da moda (que é passageira por definição) sofisticado, baseado mais nas bolsas e no mocassim icônico, é uma daquelas marcas que despertam o desejo de nobreza, de sobressair na multidão, de ser gente, ser alguém. Inclusive eu possui um tênis de couro branco da Gucci, comprado na casa José Silva.
A cena da Lady Gaga, com uma peruca extravagante, indignada com a falsificação dos produtos é basilar: o que é falso e verdadeiro nesse mundo?
Esse entretenimento, filme de longa duração, duas horas e meia, passou sem causar tédio ou dor no cóccix; me distraí.
Mostra, o filme, várias falcatruas da família, e tem o mérito de não abusar de flash backs, recurso muito usado e batido, para mim cansativo.
Entrei no modo entretenimento, deixei fluir, apreciei a paisagem de roupas classudas, de ambientes sofisticados, dos palácios e do cheiro do couro.
E tem o mérito, pra mim, de me fazer refletir nesse tal entretenimento. Quando me percebi nele, despertei e pensei  no plano americano de fazer cabeças, sem que a gente perceba que tem uma.




 
quem não é por nós é pornô

 
o jornal de ontem ficou muito velho

inutilmente



castelos de Roma
casebres de Ancona
inutilmente anseio por ti

domingo, 5 de dezembro de 2021

Rua Azusa, Teatro NIssi



é um culto.
Assisti uma propaganda dentro do SP2, um programa "jornalístico", entre aspas; as matérias são propagandas, publicidade:  propaganda do governo, vacina, inflação como conseguir um emprego; propaganda da política do medo (assaltos, sequestros), publicidade do governo - o que ele tem feito de "bom". Entre essas outras propagandas aparece a propaganda desse musical: rua Azusa, ele foi vendido como um musical de negros. Gospel. 
O gospel me pegou ainda na infância, são músicas de intensa força, energia. E falam de Deus.
Fomos assistir ontem. Venderam bauru e misto no intervalo.
O musical é um musical evangélico, se eu soubesse não teria ido. Não é o tipo de propaganda que eu gosto de assistir.
Falar qualquer coisa de rua Azusa vai passar, por ser um musical evangélico, por uma análise do que é, para mim, a emergência do evangélico no país.
Muitas  pessoas da plateia, entre crentes, estavam muito negros e negros crentes também, levantavam as mãos e acompanhavam a peça como se fosse fosse um culto, o que definitivamente se transformou na segunda metade.
Números muito bons, inclusive com produção digna desses musicais transplantados da Broadway. é uma produção muito digna, muitos graus a mais que uma produção amadora, dessas de colégio ou de igreja; é uma grande produção. Mas a mensagem neopentecostal domina tudo. Os cantores e dançarinos serão todos crentes?
Agora, o porquê dizer crente, por quê a crítica?
O que faz o Brasil o Brasil, livro que é referencia nos cursos de antropologia pelo bananão afora, foi escrito antes da emergência e da ampliação do povo crente, que caminha célere a tornar-se maioria da população do salve, salve. o lindão pendão, etc. o Livro do Roberto da Matta é de 1986, outros livros para explicar o que é esse lugar, e associando o neo pentecostalismo ao neoliberalismo estão por aí, ainda que não tão definitivos como o livro do da Matta. 
Essa emergência de conseguir resultados, essa emergência, do povo crente, o lance do pentecostes, falar em línguas, gritar e estrebuchar, por todas essas linhas, eu estou fora.
Esse show, esse ritual, estou fora.
Essa situação mesmo de acreditar, eu estou fora.
O musical fala de um pastor que abre uma porta e promove uma possibilidade de através da palavra curar os doentes, resgatar os viciados e prostitutas para o caminho do bem e promover a integração de negros e brancos.
A diferença do brasil e da américa, aqui a maioria da população é mestiça, aqui o povo negro pode, a duras penas, manifestar uma religião afro, a diferença é muito grande.
O racismo é denunciado, mas se perde essa denúncia entre tanta propganda do ser evangélico.
É um musical engajado, com uma missão de transmitir valores religiosos, neopentecostais. Inclusive eu achei isso um porre.
Há horas tantas eles afirmam que o terremoto de São Francisco foi um castigo de Deus.
Acho isso muito perigoso.
Isso é uma mentira.
Eu acredito em outra boa nova, em outro Deus.
Recentemente um novo ministro foi empossado. o ministro é evangélico. Na comemoração a família gritou e estrebuchou e falou em línguas, inclusive.
A manifestação de Deus, ocorre de diferentes formas, provavelmente e inclusive através de gritos e estrebuchos, e através de castigos, mas esse não é o meu deus.
Esse país nunca foi o meu. ele é dos outros. e eu estou cada vez mais fora, de le e de tudo oque está rolando por aqui.





sábado, 4 de dezembro de 2021

Identidade, NetFlix.

 


Preto e branco, né?!
Eu sei o que é enganar os outros e a si, mesmo?
Mulher negra caminha por bairro de brancos na nova iorque '20. está fazendo passar-se  por branca, passa por branca, na loja, no táxi, no hotel. encontra amiga do colégio, depois de dez anos,  que também está a passar por branca. marido desta não sabe que a mulher é negra, one drop rule. reatam a amizade. mais que uma amizade, rola um flirt., me engana que eu gosto.
Esse é o clássico filme cabeça. Tem aquele filme coraçãozinho, né?! Esse filme não vai acabar bem, dá pra saber pela foto promocional. Jogo de cores 
(Em todos os casos acima e embaixo, não me interessa fazer crítica acadêmica ou passível de publicação, sinopse ou referencia. são só impressõezinhas.)
Tem uma chave que liga. Engana-me ou te devoro.

Malone Morre, Beckett



Não ação.
Memórias dos outros, talvez ele seja o Sapo ou Macmann. Mas isso não importa.
Malone nunca viveu.
Nem eu e nem você.
Fazer um inventário de nada. Escrever sobre nada, rotina de não acontecimentos, de delírios. um inventário de porcarias, de vidas de merda.
cada livro traz a marca, o peso dos críticos, dos doutos, onde ele está o livro?  meu bastão não alcança, onde está meu bastão? 
um não romance, sem happy end, ruptura com a lógica, com a academia, estórias que não chegam a nenhum termo, de repente acabam, frases que não se completam, parágrafos imensos, digressões, ideias entrecortadas
andar faz bem, principalmente nos bosques, sozinho é melhor.
Mas o amor de Macmann com a velha nojenta Moll é bonito, como é bonito qualquer amor e

uma temporada no inferno. Rimbaud



algumas traduções são impossíveis, essa é uma delas. 
recentemente traduziram por " uma cerveja no inferno". deve ser mais palatável ou vendável; poesia não vende: "poesia não se venda".
Verlaine estava no Gainsbourg;
pelo que eu li
a vida do Rimbaud é melhor que os versos, não me resta dúvida
.
se eu pego esses versos, sem saber que são de Rimbaud, sem prefácio, sem posfácio, sem essa do "maior poeta', do enfant terriblé. de todas essas , acho o livro chato, ruim. que é o que eu acho.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

as crianças

as crianças vem e as crianças vão
as crianças escutam e as crianças não escutam
as crianças dizem:
- eu vou voltar, e voltam
eu tenho as crianças, ou elas têm a mim?

sábado, 11 de setembro de 2021

Não há rosa sem espinho 

nem caminho sem volta

mas não se esqueça do Gólgota

a proximidade dos corpos

     


A proximidade dos corpos causa abalroamentos, colisões, empurrões que invariavelmente acabam na cama

a justiça abaterá os ímpios.



a justiça abaterá os ímpios.
os racistas, os homofóbicos, os assassinos dos índios, os escravocratas, os misóginos, essa renca de filhasdaputa vai pagar, porque o bem está do nosso lado

misturação




eu sou a favor do arroz com feijão do café com leite do frango com quiabo da rabada com angu
eu sou a favor da misturação
de juntar uma galera, juntar um povo e sair de banda
eu sou do sincretismo, que é a verdadeira religião, que é a manifestação de energias similares em diferentes regiões do planeta
eu sou a favor princialmente da bahia do rio de janeiro e do Bixiga, sou a favor da união dos contrários
do samba rock
do belchior
eu sou a favor do mundo todo
qualquer coisa
menina veneno
do vento que balança o coqueiro
tudo que for contra o terreiro eu sou contra
quem é do mar não enjoa

eu queria mais



eu queria mais que alguns uivos de amor e costelas quebradas e lembranças de um peito dilacerado
queria esquecer de caminhar lado a lado com os aflitos e desesperados, esquecer das garotas sem mais nada a perder, dos velhos campos minados,
não recordar de correr só no atropelo, de não ter nenhuma lembrança de guarida.
queria virar o jogo sem anjo da guarda, sem lamber a ferida. queria não desejar refestelar na grama, os beijos das morenas ansiadas e queridas
eu queria muito mais que a desesperança e a certeza que não vai dar pé.
eu queria que a partida não terminasse assim

terça-feira, 7 de setembro de 2021

ora a beleza





Ora à beleza 
antes que ela acabe 
antes que chegue a hora dela

o lado certo da história




um preto, um pobre, umA estudante, uma mulher sozinha
os humilhados do parque
um rapaz delicado e alegre
NÃO PODEM ESTAR JUNTO COM OS FASCISTAS!

#encontrocomfamosos sérgio mamberti




Tempos em que fazia um fumacê na Bela Vista. Anos 80. Entrava em jardins de casas e ficava na moita.
Estava na rua dos Ingleses numa daquelas casas que ficam no nível abaixo da rua. Com o Marcelinho discutia os rumos do mundo - fazendo fumacinha - quando o Sergio Mamberti, aparece no jardim da casa ao lado.
Marcelinho falou: -Vamos sair fora! 
Eu afirmei: - Esse cara é gente fina! Nunca vai chamar a polícia por alguém estar discutindo os rumos do mundo!

domingo, 5 de setembro de 2021

as máscaras



quando as máscaras caíram fiquei desolado.
eu sabia do ódio; ódio do espelho, ódio do diferente, ódio do outro, ódio, ódio; mas não sabia que o ódio era tão grande.
depois eu pensei: melhor assim, conheci melhor a humanidade.
quando colocamos as máscaras eu fiquei arrasado.
eu sabia da falta de empatia, da falta de solidariedade, da descoberta da solidão, da incapacidade de viver consigo e de respeitar o espaço dos outros; falta, ausência, privação, mas não sabia que a incapacidade de se entender e entender ao outro era tão grande.
depois eu pensei: melhor assim, conheci melhor a humanidade
As máscaras vieram para mostrar que eu não sabia de nada, não entendia nada de mim e nem dos outros e que preciso aprender muito.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

quem nunca raramente sempre ?



quem nunca raramente sempre ?  
recolheu-se a ostra
e mais uma vez recomeçou a recomeçar
e raramente nunca sempre 
fez do casulo uma nova casa 
e recomeçou a recomeçar? 

sábado, 21 de agosto de 2021

o que eu sei não está



o que eu sei não está nas ondas do rádio
onde não cabe levitação ou espanto.
não sei de nada das notícias,
velhos trapos estropiados sem razão,
que nem mais servem para embrulhar peixe
e sem uso são vendidas para fazer a cama dos pets.
em algum momento de tudo isso
as palavras foram tomando outros sabores
bocas que não irei beijar e de que nunca saberei o gosto.
tudo tão pesado
meus movimentos tão distantes de tudo
e para muito além de tudo isso
nada mais sei sobre você

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

esse bicho, o humano



esse bicho é o humano
mente e inventa castelos maravilhosos
rouba e dá de comer aos filhos
mata por paixão
escala uma montanha pelo prazer de lá em cima dizer: cheguei!

esse é o humano
que divide um osso com um cão
que chora ao ouvir um poema
que ri da própria desgraça
que esperneia e não é reconhecido

esse bicho, o humano,
que nada, voa, vai ao espaço e à região abissal
pensa e não diz
diz o que não pensa
trapaceia
passa fome
espera a primavera
bebe água da chuva
dança
se engana e enganado engana outrem
o humano do Deus e do diabo
do fogo e da água
é meu bicho favorito
e a ele eu digo
Amém

oh, ausência de razão



quanto mais eu penso
oh, ausência de razão
mais te alcanço

terça-feira, 27 de julho de 2021

saí pra dar um rolê no bixiga



Saí pra dar um rolê no Bixiga.
Levava numa sacola algumas coisas pra fazer. Doar roupas, comprar uma peça de um mixer, trocar a sola de um sapato.
Subo a 13, a minha rua.
Deixo algumas peças de roupa na escadaria; logo alguém aparece pra pegar.
Eu tinha quebrado, sem querer, a parte que solta do Mixer e fui comprar uma nova. Tem uma lojinha na 13 que vende esse trecos. Toda essa rede de pequenos comércios, lojinhas, é que dão a cara a um bairro. Em cada pedacinho, em cada porta, , em cada canto, eu lembro de alguém, de alguma música, de tudo que ainda é.
A peça é feita pra ser quebrada, como os copos de vidro e as vidraças das agências bancárias; fui saber só depois que o preço de uma nova era só 30% mais caro que a peça. Enfim... tudo pelo rolê.
Na loja de trecos perguntei sobre a a Italmocassim, a última loja de sapatos do Bixiga; o vendedor disse que ela estava fechada, o dono morreu.
A última das lojas de sapatos, das tantas que existiram. Um sapato da Italmocassim, não é igual a um mixer vagabundo. Mostro a sola estraçalhada, é uma sola confort; me disseram que um sapato assim não podia ficar guardado dentro da caixa, é uma sola de borracha, o sapato é uma delícia, quero consertar de qualquer jeito.
O atendente da loja diz que uma funcionária que trabalhava  na Ital agora está trabalhando no sacolão logo ali em frente.
O vendedor puxa um papo falando das profissões que vão se extinguindo (os filhos do dono da Italmocassim não quiseram continuar o negócio) e novas profissões vão surgindo...  acho um inferno as coisas de plástico ou com tomada, a obsolescência programada, o fim das lojas de sapato no bairro, a invasão americana, o fim do uso dos sapatos, a calça jeans, o fim das associações de classe. Digo:
Nem sei o que falar sobre isso. Não falo nada,  mas me despeço dizendo que foi uma boa conversa.
No sacolão pergunto pra uma e outra se ela era a ex-vendedora. Mostro meu sapato (no dia eleição passada ele arrebentou bem em frente à estátua de são José; era domingo e eu pude comprar outro sapato na feira da Dom Orione e pude ir trabalhar convenientemente vestido...) ela diz que não tem conserto!
Penso comigo: vou encontrar um sapateiro, um bom sapateiro.
Trabalhei em 1978 como office boy numa revista naquela galeria, a Galeria Espiral.
A Galeria Espiral vale um passeio, precisa ser revitalizada, é certo, mas tem essa estrutura em espiral, uma arquitetura estilo Bienal. Ela  tem a entrada principal na Rui Barbosa esquina com a Brigadeiro;  tem um número expressivo de lojas: são clubes, cabeleireiros, despachantes, um alfaiate, costureiras, mas não tem sapateiros, assim me disse uma jovem que fazia a faxina.
De volta a minha busca entro na Pedroso, desço a Martiniano; um passe na Messiânica.
Sim, um passe. Respondo ao rapazinho que ministrou o Johrei que conheço a igreja desde 1972; minha vó Sinhana a frequentava, depois minha vó Zizita.
Na Martiniano o 312, casa da Sinhana, não existe mais, o 271, da Vila Itororó, está com tapumes. No apartamento do meu tio Durval, na frente da igreja, moram outras pessoas há 45 anos.
Vou até a secretaria da igreja do Carmo comprar um escapulário (quem morrer usando esse escapulário não vai pro inferno), mas esse tipo de venda só ocorre no horário de missa.
Volto a Brigadeiro e desço a Francisca Miquelina, onde moramos na primeira infância em dois predinhos em sequência.
Na Maria Paula encontro o último dos moicanos, o último dos sapateiros, Sapataria Mosley.  O conserto sai caro, o preço de um sapato novo, mas não um sapato da Italmocassim.
Vou voltar, antes uma passada no sacolão; frutas.
Na Pérola Byington existe um acampamento, tanta gente nas ruas,
muitas barracas. Um rapaz de longe, grita.

- Ê cachoeira! como é que você está?!
- Firmão.
Nunca vou deixar esse bairro.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

o que eu posso?



o que eu posso
com essa alma desatenta
com tanta treta
o que eu posso?
o que eu posso
lago que me atormenta
logo tudo queima
quer queira ou não queira
o que eu posso?
o que eu posso
o fio logo, logo arrebenta
tudo sem ligação
lama que me deixa lenta
fumaça densa
o que eu posso?
o que eu posso que caiba
nesse sentimento
pobre momento
noite de sereno
desvario sem jeito
será que eu mereço?
o que eu posso
além de um fio de cabelo
da precisão de um beijo
de seu sexo, de novo endereço
sem embargo no peito
sua mão a me guiar na noite sem estrelas
caminhar noite adentro
o que eu posso?
de novo seus olhos negros
e o instante a se perpetuar
sem fim nem começo

sábado, 17 de julho de 2021

nomadland



Ontem fomos ao cinema, á tarde que é o horário que eu mais gosto de ir. Parece gazeta, parece um ultraje ao mundo de merda do maldito trabalho. Adoro Sessão da Tarde.
Nomadland. Se eu disser que chorei o filme inteiro não estou mentindo. Falando do filme com a Adri eu estive preso a uma certa visão de necessidade econômica, de pauperismo que obrigava as pessoas a deambular, mas a Adri me alertou que existia o amor á estrada, ao nomadismo, então Por necessidade e por estilo de vida, cair na estrada, continuar a continuar.
A grande revanche é mandar tudo a merda e por o pé na estrada. On the road again.
Ou numa pausa da estrada até gostar de um trabalho simples e sentir-se útil, e cair na estrada de novo.
Relacionamentos profundos e extremamente amorosos que duram apenas alguns dias.
Grandes encontros. Grandes conversas. Filosofia. O que é Filosofia? meu sogro Luis Maia perguntou. Filosofia é o amor a vida, a sabedoria; a busca da essência das coisas, procurar saber viver.
Grandes são os desertos da minha alma.
A Frances é tão maior que qualquer outra. Fiquei apaixonado pela Linda May e respeito muito a Swankie, porque é meu oposto.
São tantas cenas maravilhosas.
Hoje lembrei, ao assistir o filme, em outra cena tão linda, que somos estrela, alô Ligia Evangelista, e chorei de novo. Choro como um cão danado, como o velho que sou, como a criança que fui. Me sinto gente e Miele chorando.
Uma das cenas mais lindas do filme é Frances falando o soneto 18, alô Duda Miranda, de Shakespeare.

Se te comparo a um dia verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento forte espalha as folhas de maio pelo chão
E o tempo de verão é sempre bem pequeno
Às vezes brilha o sol no céu em demasia
E outras vezes ele desmaia com frieza
E tudo o que é belo declina num só dia
Por acaso ou na eterna mutação da natureza
Mas em ti o verão sempre será eterno
E a beleza que tens tu nunca perderás
E também não chegaras da morte ao seu triste inverno
Pois nestas linhas eternas com o tempo crescerás
E enquanto nesta terra houver um ser
E olhos que possam ver, meus versos vivos te farão viver.

Outra cena linda do filme é a Swankie falando sobre as coisas lindas que ela viu durante a vida, pequenos milagres, algo simples, como o primeiro voo das andorinhas ao abandonar os ninhos, alô Marilia Miele, ontem nos fez lembrar de milagres!
Eu conheço a música do Ludovico Einaudi, e os pequenos milagres.
Esse filme é um pequeno milagre, um semidocumentário, com atores amadores. é uma declaração de amor ao espirito livre americano e uma crítica ao capitalismo selvagem.
O cinema é esse mundo de magia e segredos que são compartilhados, Clara Vasconcelos.
O cinema tem que ser isso, um pequeno milagre.