segunda-feira, 26 de setembro de 2011

gosto de futebol, minha vida foi jogar bola

Gosto de futebol.

Não gosto do que é futebol hoje.

Troquei, porém, várias vezes o ato de assistir futebol por jogar bola, que aqueles que não sabem jogar bola, chamam jogar futebol.

Futebol é profissional. Isso envolve dinheiro, negócio, televisão, anúncio, publicidade e propaganda. Envolve isso muito mais que treinamento ou técnica. Envolve manipulação de resultados, acordos de bastidores, falcatruas. Mas envolve também paixão. Muito triste falar envolve paixão, como se fosse isso a menor coisa envolvida, mas é .

Futebol e jogar bola, duas coisas que - longo espaço para procurar a palavra certa - foram? São? Explicam? Permearam? Conduziram? Estiveram? Fazem? Quase tudo, muita coisa, na minha vida. Mitologia e paixão, futebol e jogar bola.

Jogar bola de manhã até anoitecer, eis algo para sentir saudade.

Fui centroavante, o atacante, do modesto time do Mantiqueira. O povo confiava em mim: Micali, Marcelo, Fábio, Edgar, Marcos, Renato, Eduardo. Ontem mesmo estive no pátio, um retângulo de cimento de 75 metros quadrados, onde joguei bola a infância toda. Ainda estão lá, trinta e oito anos depois, as traves desenhadas nos muros por mim e por Fábio, cobertas por camadas e camadas de tinta. Fizemos as traves subindo em banquinhos de cozinha, esticando ao máximo os braços. As traves têm 1,80, e eram enormes para nós que tínhamos 6, 7,8 anos. Com essa idade descobri que era são-paulino, ou sampaulino.

"Toda nossa família é sampaulina!" minha mãe me explicou. Contava entre muitas outras, aquela estória de quando ela era criança e respondeu numa aula de geografia, que quem nascia em São Paulo é são-paulino, o que para mim é verdade absoluta. Tia Célia, muitos anos depois, estupefata dizia:

- Não posso entender uma pessoa não ser sampaulina.

O Darcy Bueno, primo dos meus pais, ao conversar comigo no enterro da Conceição, sabendo da minha paixão tricolor, combinou que eu fosse até a casa dele, na Vila Itororó, para receber como doação dele os cadernos que ele fez colecionando A Gazeta Esportiva. Eram recortes dos anos 40, os tempos do Gijo, Piolim e Rengasneschi. Rui Bauer e Noronha. Luisinho, Sastre, Leônidas, Remo e Teixeirinha. Essa coleção eu doei para o Memorial do São Paulo, fui até o Morumbi e falei com o senhor Agnelo di Lorenzo, historiador do tricolor. Passei uma tarde com ele conversando sobre futebol.

Minha mãe falava de Bauer, Mauro Ramos de Oliveira, jogadores que ela conhecera quando namorou, antes de casar com meu pai, com um primo Oliveira...

Meu pai xingava Pedro Rocha:
- O bibelô.

E ficava nervoso com o Rivelino:
- Olha como ele é NERVOSO!

Fiquei louco por futebol. Pela mitologia. Pelos jogadores, artistas para mim. Herois.

Toda semana comprava a revista Placar. Meu pai me dava o dinheiro, era uma espécie de mesada. Carlos Maranhão escrevia perfis de jogadores de forma poética: "O palhaço que faz rir, também sabe chorar", sobre o Rei Dadá, o Dadá Maravilha.

Escreveu também o Carlos Maranhão uma série de estórias sobre os grandes jogos da Seleção brasileira, que foi uma coisa que me enlouqueceu. Era talvez uma dezena de jogos de 1919 até 1970. Esses textos falavam muito do Brasil, de nossas derrotas, do amadurecimento como povo pela ótica do futebol. Estórias marcantes. “O Despertar dos mágicos" que foi o episódio sobre a entrada de Pelé e Garrincha contra os russos em 1958. Em dois minutos tínhamos mandado duas bolas na trave e feito um gol. Enfim nossa mestiçagem triunfava, enfim nossa verdade vencia, enfim éramos nós mesmos.

O primeiro episódio era de 1919, 1º título sul americano que ganhamos. O gol foi do Fried, num jogo de muitas prorrogações, que Friedenreich, ganhou o epíteto de 'El Tigre" da imprensa argentina.

Colecionei Placar durante anos. Muitas historias.

A seleção húngara de Puskas, Hidegcuti, Czibor, os magos magiares. O Real Madrid de Canário, Didi, Di Stefano, Puskas e Gento. O Ajax de Amsterdam, A Laranja Mecânica de Cruijff, Van Hanengan, Neeskens, Surbier, Krol, Rep e do goleiro Jongbloid. George Best, o irlandês maluco. O Desastre de Superga, o fim do Torino. No Brasil, Jaguaré, o goleiro do Vasco; Fausto, a Maravilha Negra, Bauer, o monstro do Maracanã; Carlinhos, o violino. Campos e o doping. O Expresso da Vitória Vascaíno. O Santos bi-mundial. Almir, o pernambuquinho, assassinado em Copacabana. Brito conversando com o cachorro por telefone na copa de 70. Julio César, de favelado a titular da Seleção Brasileira, aonde nunca chegou a jogar. Domingos da Guia, campeão Pelo Nacional do Uruguai, Boca Juniors e Flamengo. Nilton Santos, a enciclopédia. Piolim do São Paulo, que quando acabava o contrato sumia. E os diretores tinham que buscar no interior. Muitos etc.

Milhares de conexões: muita geografia, história, comportamento, moral, ética. Literatura, vida.

Esse tempo, 1975,leituras apaixonadas de Placar, foi o tempo que fui mais próximo de meu pai, ele me levava á escola, ao Rodrigues Alves. Íamos pela Marques Leão, uma subida enorme. Ele já tinha mais de 50 anos, subia facilmente a íngreme ladeira.

Durante sessenta anos, pesou 60 kilos, era muito equilibrado.

Meu pai falava do time dele do São Paulo, anos 30, ele com dez anos, torcendo muito, sampaulino até a medula.

Torcia tanto, sofria tanto, que com o passar dos anos parou de assistir jogos.

Eu na época dessas conversas também tinha dez anos, então ele falava de coisas que tinham acontecido na mesma idade que a minha.
O time dele do São Paulo: Nestor, Clodô e Barthô. .Rafa, Zarzur e Orozimbo. Luisinho, Armandinho, Friedenreich, Waldemar de Brito e Hercules.

Ele falava: Frederaiche.
- Frederaiche era um mulato de olhos verdes, tomava cerveja, eu o encontrava no centro da cidade.

Falava dos outros jogadores:
- Zarzur era um tipo árabe, compridão; Orozimbo era maaaaaaaagro, preto; o Luisinho eu encontro na Caixa Econômica, recebendo aposentadoria; Hercules tinha o chute muito forte!

Contava estórias dele jogando bola na Rua São Joaquim. Que chuteira naquela época se chamava chanca, e que se referiam a ele como “o filho do professor".

O professor era Caetano Miele, meu avô, que teve o apelido de Pinto Louco na várzea.

Meu avô era sampaulino. Filho de italianos era brasileiro por inteiro. Não admitia que alguém da família torcesse pelo Palestra Itália:

- Somos brasileiros.

Meu pai jogou bola com a gente só uma vez, no clube Espéria.Jogou o fino. No pátio nunca jogou.

No pátio ficávamos uma dúzia de meninos, brincando, jogando bola de manhã até a noite. No Mantiqueira, entre amigos, explodi, fui muito.

Chorei, briguei, venci. Em casos duvidosos, perguntavam:
- Foi falta?

Eu não mentia, mesmo que prejudicasse meu time.

Bola de capotão, bola de plástico, até bola de madeira. Jogávamos principalmente com bola de meia. Dona Boni fazia para o neto, Mário Luís, com meia de seda das filhas, bolas espetaculares. Com espumas de travesseiro fazíamos bolas que pulavam mais que as com jornal. Uma vez afanamos de uma família chinesa um varal inteiro de meias que foram parar alem dos muros.

Fora dos muros do Mantiqueira, um mundo inteiro também jogava bola.

Numa excursão além dos muros do Mantiqueira, ao maravilhoso mundo da Bela Vista, encontramos o estacionamento de carros alegóricos da Vai-Vai, na Rua Santo Antônio. Eram carros com muito isopor, que arrancamos e fabricamos barcos para navegarem nas águas das sarjetas. Fomos enquadrados pela molecada da Santo Antônio, obviamente malandrissímos perto de nós, garotos de apartamento. Marcamos um contra no próprio estacionamento dias depois. Perdemos o que veio a ser coisa corrente nos times que joguei, mas fiz um gol de mão, fato que me enche de orgulho até hoje, quase quarenta anos depois.

Na adolescência joguei muita bola debaixo do viaduto da 9 de Julho. Montamos uma seleção e fomos participar no SESC Vila Nova de campeonatinhos. Toninho e Zé Willians na defesa, eu no meio e Violeta no ataque. Fui substituído por Barnabé, chamado de Magrão, depois pelo Nervosinho, que é o Mad, o Cleverton poeta, e depois por Biro, que conheceram no SESC.

Começava eu uma carreira na noite, que durou 21 anos, e que concorria com os jogos de bola.

Já na Bela Vista jogava com Nivaldo, Gilberto Cabeção, Raul, Paulo Gordo, Paulo Primo e Paulinho Boca, até de calça jeans, na Praça Roosevelt, ou nas ruas do Pacaembu onde íamos para assistir jogos no estádio contra malacos que estavam na mesma onda que a gente.O Pacaembu abria as portas aos 15 minutos do segundo tempo, assisti muitos jogos do Corinthians e do Palmeiras. Nelson Trindade, quase um irmão, pensava que eu era palmeirense, por me ver no estádio "torcendo" pelo Palmeiras... A torcida do Palmeiras é muito corneteira, o primeiro passe errado, um levanta e começa a xingar o jogador, a diretoria. Nessas horas eu aproveitava e descia a lenha nos jogadores palmeirenses, "torcendo" como um palmeirense.

Até acontecer o Mangue, time que Xexel montou com o povo que frequentava a Gabriel dos Santos, na Santa Cecília, alguns anos se passaram.

O Mangue é um capitulo delicioso da minha pobre existência. Estórias para mim divertidíssimas, com Robson, Lomar, Xexel, Dilsinho, Jorginho, Itália, Marison e outros.

Jogávamos no Play Ball, próximo a Água Branca, na Marques de São Vicente. Nunca pus um tostão pra pagar o aluguel da quadra de society, que era de areia dura. Quem pagava era Xexel e Serjão.

Uma vez Robson pede pra entrar em campo, alguém sai, ele dirige-se ao primeiro adversário que encontra e lhe desfere violento murro na cara e voltando-se para nós, sorrindo disse:

- Vocês estão dando muito mole pra eles!

Depois do Mangue, jogos com os políticos da Bela Vista.

Edson Luis Telles, hoje renomado Filósofo.

Edmilson, o Boca, que trabalhou comigo no DataFolha e eu levei pra jogar no Mangue e enlouqueceu.Enlouqueceu de ser internado, retirado de circulação.

Dilsinho, o Adilson Quaresma, que também levei para o Mangue e também trabalhou comigo no DataFolha, muito bom jogador, joga até hoje na Várzea, no Vasquinho da Casa Verde. Dilsinho, grande amigo. Tinha uma perna menor e mais fina que a outra, tinha tido poliomielite, jogava muito, até no gol. E apitava jogos também, roubando parcimoniosamente, errando com critério, o que é garantia de levar o jogo até o final.

Claudião também participava. Claudião, o "todo feio”, amigo da família.

Testa que roubou o computador da casa do Edson e com o dinheiro, fumou charutos e comeu files por meses e acabou morrendo de cirrose.

Leitinho, também enlouquecido, aposentado pela Caixa, o amigo com quem gostei mais de trocar ideias sobre o Brasil brasileiro, um país imerso em superstição, mistérios, malandragens e sofrimentos.

E com Marcio, o Marcinho da Bela Vista meu irmão, meu melhor parceiro, minha melhor tabela.

Com o time de políticos joguei em vários lugares: na Roosevelt, á noite, no Ibirapuera, á noite e muitas vezes numa quadra da Eletropaulo, que Alex, o político, nos arrumou. A quadra era próxima á Estação da Luz, na Rua 21 de Janeiro. Às vezes tinham 5 times pra jogar, um verdadeiro festival acontecia.

Num dia especial, havia sete times. Se um time perdesse esperaria quase uma hora pra voltar a jogar, muito tempo. Quem perdia ia embora, ou agüentava nervoso, uma chance voltar.

O time da 9 de julho, time que veio a suceder a minha geração, time que enfrentou a Bela Vista, time que, esse sim fez um nome, estava lá: Cléo, um dos melhores que vi jogar; Augustinho, japonês muito bom de bola, os chilenos; e mais M'Kimba, Derivaldo e Gessi, que era titular do São Paulo, centroavante titular dos juniores, o reserva era o Caio, que hoje é comentarista da Globo.

Muitos times bons, mas nós jogávamos de igual, lutando. Eu, Murilo, Alex, Tucano e Marcio, o meu irmão.

Perdemos do time da 9, esperamos.

Perdemos mais uma vez, esperamos.

Próximo jogo: Dilsinho, Guto, Rogerinho, o time que estava ganhando todas, a parada mais difícil.

Num dado momento levamos um gol. Eu pego a bola com a mão, esqueço tudo, e alucinado, grito para o Marcio: VAMOS JOGAR! NÓS DOIS!

Ele olha pra mim e diz:

- Tudo Bem!

Pega bola com a mão, se abaixa, quase ajoelhado e dá a saída. Em toques de primeira, olhando um no olho do outro, vamos trocando passes. Não existia mais ninguém na quadra, passamos pelos outros como se não existissem. Tabelamos numa sintonia de pensamento, que não pode ser computadorizada, que não se aprende em escola. Três toques pra mim, três toques pra ele. Ele já na entrada da área, quase deitado, anjo caído, chuta a bola no alto, faz o gol.

GOL, GOL, GOL, GOL, GOL, GOL.

Acho que isso foi uma epifania.

Todos invadem a quadra, levantam o Marcinho, tão querido nessa Bela Vista, que eu tanto amodeio, jogam o Marcinho pro alto, aquela putaria.

Faço outro gol. Ganhamos, Vencemos.

Lembrei disso tudo, de futebol e da importância dele, por causa do Sócrates, o jogador de futebol. Sócrates foi internado com cirrose hepática, Sócrates Cachaça.

O Sócrates e o Benito di Paula, são os únicos caras da classe artística caguetados, ou citados nominalmente, pela Bell Marcondes no livro dela: Estou viva, não uso mais drogas.

Bell Marcondes, eu conheci no Bixiga. O Bixiga é uma coisa completamente diferente da Bela Vista. O Bixiga era de todo mundo, foi um local de liberdade. O Bixiga acabou nunca mais haverá Bixiga, mas o Bixiga não sai de mim. A Bela Vista é um mundinho, em que se bobear tu viras capacho, muita gente ignorante na Bela Vista. A Bela Vista, como tudo que é ruim segue em frente. Avanti.

A Bell andava no Bixiga de lá pra cá, de cá pra lá. Ela foi produtora da Simone, a cantora, mas naquela época havia caído nas ruas. O livro dela conta essa ruína: de produtora de sucesso á viciada em cocaína. Ela vivia de pequenos estratagemas, tipo empréstimos, pedidos á classe artística. Sempre nos cumprimentávamos com especial deferência. Ela nunca me pediu um tostão, mas eu também não sou da classe artística.

A Bell achou o celular do Paulo De Tarso Gracia, isso depois do livro publicado e 15 anos depois de cair das ruas, e devolveu.

O Paulo de Tarso chamou, antes da Bela Vista, antes do Mangue, eu, Alemão, Diógenes e Marcelo Negrão para jogar no Ibirapuera, por uma tarde. Impagável, e inesquecível, é a lembrança do Paulo entrar na quadra no meio de um jogo, batendo bola, interrompendo tudo e dizendo:

-Nós vamos jogar.

Fomos lá e ganhamos muito bem dos outros nas quadras.

Anos mais pra frente, curtindo meus anos de vagabundagem e lazer, jogava bola no Ibirapuera nas tardes de segunda-feira. Era chamado de "alemão"!

 
Na matéria sobre o Sócrates apareceu uma foto do Geraldo, o Geraldão, o Geraldo Manteiga. Esse foi um grande anti-herói, o que vem a ser uma coisa muito importante no futebol, e na minha vida. Geraldão fazia uns golaços, ás vezes era super grosso, foi um grande centroavante.

Do Sócrates eu fui muito fã. Na campanha das diretas foi o único discurso que me emocionou; " Se as diretas acontecerem, não vou pra Itália." Cagar pra dinheiro sempre foi uma coisa que me emocionou.

O melhor ponta- de -lança, posição que eu sonhei pra mim, pra eu jogar, foi Jorge Mendonça. Melhor que Zico e Sócrates foi o Jorge Mendonça.
Jorge Mendonça jogava de cabeça erguida, matava as bolas no peito, chutava com a esquerda e a direita. Cabeceava. Era goleador. Muito fino, elegante, clássico.

Mas o Sócrates era "o" fino. Leve, sutil, econômico nos gestos, nas comemorações, pródigo em lances inusitados, em tabelas milimétricas com Geraldão, Palhinha e Casagrande. Mas o Sócrates era de todo inusitado, muito alto, muito magro, médico. Um discurso diferente dos outros jogadores, o inventor da Democracia Corintiana. Um alien no meio do futebol, outro anti-herói.

Falando em anti-herói: Serginho, o Serginho Chulapa, o Serginho Maloqueiro. Muita saudade do Marcio Miele, vir falar pra mim: Serginho foi expulso! Serginho‎ fazia um gol em todo jogo, era uma garantia. Brigão, maluco, maloqueiro, uma contradição. Um oximoro no São Paulo time sempre cheio de soberba. Um time frio.

Muito chato isso do São Paulo, mas também muito desejável. Estar acima das paixões, isso é muito São Paulo, ser maior, saber ser o maior. O maior estádio, o maior campeão, o mais moderno. Mas também é chato. Mas isso é uma contradição, um oximoro, outra coisa que muito me alimenta.

Eu não agüentava ouvir jogos pelo rádio, muito sofrimento, muita angústia, tudo parecia estar por um fio, tudo a beira do abismo. Uma velocidade dramática demais pra mim. Marcio ouvia muito rádio, ouvia muito o Fiori Gigliotti e contava, e cantava, e encantava o jogo para mim.

Marcio Miele ficava ouvindo rádio, a Bandeirantes do Fiori, e irradiava os acontecimentos mais importantes do jogo pra mim. Como contava os episódios do Carga Pesada, série da TV Globo, e o que havia acontecido nas festas de família, que eu fiquei anos sem ir. Eu não ia as festas por vários motivos, mas o fato do Marcio narrá-las depois para mim, melhorando-as, não pode ser desprezado.

Mas eu discurti o Serginho e o Sócrates. A gente muda. Eles acho que são os mesmos. Cada louco com sua mania.

Essa destruição do Sócrates, tipo suicídio, eu não curti. E faixa na cabeça e comentários de cachaceiro e muito feinho, e falando, e pensando, devagar demais, não curti. E o fato dele não falar que é cheirador é outra coisa que eu não curto. Foda-se a sociedade cabaço.
Se todo drogadito, ou viado, se revelasse seria melhor - a sociedade iria perceber que tem muito, muito viciado e viado, e que não são diferentes de ninguém. Vida que segue.

O Serginho Chulapa discurti mais pelo fato dele cuspir no prato sampaulino. Mas ele está na minha seleção tricolor:

Rogério, Cicinho, Lugano, Daryo Pereyra e Serginho. Chicão, Cerezzo e Raí. Miler, Serginho Chulapa e Zé Sergio.

O Zé Sergio eu considero um primo. Uma pessoa da família. O Zé Sergio foi o maior jogador do inicio dos anos 80. Tinha um arranque, uma explosão única.

Quando assisto jogo na TV e vejo atacante sem ir pra cima, devolvendo bola pro lateral, eu digo:
- Ah se fosse o Zé Sergio!

Quando vejo um atacante entrar na área e não saber o que fazer com a bola, grito:
- AH SE FOSSE EU!

A ultima vez que joguei bola foi no ano passado, num campo de um hotel fazenda. Tô do lado de fora vendo um cara parecido com uma rolha, forte como uma tora, atacando, fazendo gols e atacando todo mundo, distribuindo bordoadas.

Pensei: "deixa comigo"

Entro como próximo. Na primeira dividida com ele entro firme. Por cima e por baixo, na experiência dos meus 45 anos e quase 90 kilos.

Joguei o cara no alambrado.

Ele ficou furibundo, com sangue nos zóio.

- Ele não pediu desculpas, gritava.


Na outra bola eu ia dar um arranque, tentar um rush. Ele me pegou por trás.

Não doeu nada.

‎45 anos, 90 kilos, quase três graus de miopia, noite fechada e esse tarado no campo, só acertei mais uns dois passes no jogo.

No restaurante depois do ocorrido vieram me cumprimentar. " o cara que vc acertou tava merecendo, etc., é um babaca, tava batendo em todo mundo, depois parou, etc."

O rapaz nem mais participou das jantas, sumiu e me olhava com um ódio tremendo. Acho que o cara é da polícia civil, tinha toda pinta. Ainda bem que sou um homem de Deus e não faço nada errado. E notem, não fui citado no livro da Bell Marcondes.

A Bell citou o Deio, da Bela Vista. A Bell chegou a morar na casa dele, que não jogava bola e passou muitos meses, talvez anos, na cadeia. Tenho a impressão que o Deio faleceu.

Quando o povo da Bela Vista vinha jogar nos baixos do viaduto da 9 de julho, se não me falha a memória, Toninho permanecia arrepiando, sendo correto. Zé Willians, clássico. Violeta, muito raçudo. Eu fazia meus gols e a gente ganhava.

Como ganhava do time da Paim, cujo um jogador de nome Gastão, jogava com uma faca no calção.

O futebol acabou, pra mim, em 1982.

Tudo bem pode parecer exagero, assim me disse Paulo de Tarso, que telefonou depois de quase 4 anos, tempo em que ficamos sem conversar, pra dizer que havia lido no Facebook esse texto, sobre futebol e jogar bola.

Assim eu tenho a certeza que vale a pena escrever alguma coisa, alguém está lendo.

Porra se o Paulo voltou a falar comigo, tudo é possível, tudo vale a pena.

Paulo se lembrou da seleção de 94, e do Hagi. E de outros craques daquela Copa.

Sim, existiu o Romário.

O futebol acabou em 1982, em parte pela derrota da Seleção de Telê.

Mas terminou para mim, por que o pragmatismo chegou pra valer. Para ficar.

A derrota de 82 deu aos estúpidos todos os motivos para acabar com o nosso jogo. Vencer é o que importa. Jogando feio, ou não jogando, como não há jogo hoje. Correr é atletismo, jogar bola é jogar bola. Mas vêm os idiotas e dizem: Bom é aquilo que vence. Bom é aquilo que vence?!

E a propaganda nas camisas?

Uma merda enorme em tudo quanto é lugar ficou feio demais. Arrebentou uma coisa que é o manto sagrado, a camisa de cada time. Uma propaganda jamais poderia ser maior que o distintivo do clube.

Eu assisto futebol, de teimoso. Não há beleza, não há drible, não há fantasia.Os jogadores erram passes, não fazem lançamentos,é muita correria.E ainda tem o lado dos negócios. Tudo é negócio, pior: business.

Muito dinheiro, jogadores superstar pop, retardados balbuciando obviedades. Bola que é bom, muito pouca.

Mas eu sonho.

E faz tempo que não sonho que estou jogando. Tive um sonho memorável que dividia uma bola com o Galeano na pequena área e fazia o gol me esborrachando na grama.

Em outro sonho, estava no banco e ia substituir o Sávio no Flamengo. Via na área o Romário e pensava, no sonho: Tenho que acertar o cruzamento, tenho que acertar o cruzamento...

Para pegar no sono freqüentemente penso em escalações de times. Seleções só com negros, com gordos, com cabeludos. Times da Portuguesa, do Juventus, do Bangu. O Santa Cruz de 75, com Hamilton Rocha, Nunes, Luis Famanchu, Levir. O Bahia de 78 com Joel Mendes, Perivaldo, Zé Augusto, Sapatão e Romero. Baiaco, Fito e Alberto Leguelé. Osni, Beijoca e Jésum Pé de Pato. O Palmeiras de 79: Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozzi e Pedrinho. Pires, Mococa e Jorge Mendonça. Jorginho, Cesar e Baroninho. O Fluminense de 76: Renato, Carlos Alberto, Miguel, Edinho e Rodrigues Neto. Pintinho, Rivelino e Paulo Cesar. Gil, Doval e Dirceu.

Penso principalmente no São Paulo, em escalações de times do São Paulo. Meu time de 74, time que foi vice da Libertadores: Waldir Perez, Forlan, Paranhos, Arlindo e Gilberto. Chicão, Pedro Rocha e Muricy. Terto, Mirandinha e Piau.

Lamento profundamente Enéas, Jorge Mendonça, Renato Gaúcho e Edmundo não terem jogado no São Paulo.

Agradeço profundamente Ailton Lira, Oscar, Pita e Careca terem jogado.

Agradeço ainda mais por Zetti e Toninho Cerezzo.

Zetti, que foi aposentado pelo Palmeiras, coisa muito freqüente nos outros times, abandonarem jogador machucado. Veio para o São Paulo desacreditado. No São Paulo, Zetti recuperou-se, foi um ótimo goleiro, um ótimo caráter, foi um goleiro excepcional, um grande cara.

Toninho Cerezzo foi um jogador que me fez queimar a língua. Ele foi considerado um vilão, um dos responsáveis pela derrota de 82. No São Paulo ele foi o líder, o condutor de meio campo. Já veterano, cadenciava o jogo e dava duras nos adversários. Na final do Paulista de 92 contra o Palmeiras-Parmalat, que ele dá uma entrada num jogador, leva um amarelo. Na próxima jogada, Mazinho revida a falta e é expulso e abre caminho para o título.

Cerezzo era fino. O passe de grou, kung fu extraordinário, que resultou no gol do título feito sem querer pelo Miler, é inesquecível. Ele foi o melhor em campo na final do Mundial contra o Milan. Da alegria e do choro dele ao fazer o gol no mesmo jogo, eu fiz uma camisa.

Lembrei do Pintado, um grosso. Um grosso? Assisto a final contra o Barcelona, ele não erra um passe, faz lançamentos, divide todas, não perde nenhuma... É mais um anti-herói.

Raí, o melhor. Do São Paulo.

A presença dele na final do campeonato contra o Corinthians em 1998, apavorou, acabou com o time deles.

Estava na final de 1991 de novo contra o Corinthians, que deixou de ser o time que eu tinha dó nos anos 70, pois só apanhava e não ganhava títulos, para ser o time que eu odeio agora. O time da maioria, toda maioria é estúpida e idiota.

Pois, estava na final de 1991. Fui ao estádio. Chegamos, deixamos o carro na Praça Vinicius de Moraes, a 2 kilometros do Morumbi e escutamos algo que me pareceu o rugir de uma tribo esquecida na ilha do King Kong, era a torcida do curintcha.

Chegamos ao Morumbi e não havia mais lugar na arquibancada do São Paulo.

Paulo deu uma carteirada, entramos nas cadeiras amarelas, só que na torcida do adversário, e fomos pra barra de proteção que ali havia.

Raí acerta um chute, faz um golaço, olho pro Luis e penso: temos que comemorar. Saímos pulando. Tive que hipnotizar a torcida, se não seríamos massacrados. E hipnotizei mesmo.

Assisti o resto do passeio tricolor em choque, calado. O estádio inteiro tomado por eles.

Mesmo depois que corremos, que saímos de onde estávamos e fomos pra um pequeno espaço da torcida tricolor, ficamos cercados pelos adversários, a turba enfurecida, a maioria estúpida e assassina de sempre.

Com Luis, Paulo, Pierre, Magal,Ernesto,Filipe, outro Paulo Gordo, povo do começo da Avenida Santo Amaro, joguei no começo dos anos 90, ultimo time que brinquei.

Fiz um gol num domingo ensolarado, jogando entre nós, quase amigos, em que driblei todo o time adversário. Um gol que eu não esqueço: um rush perfeito.

Uma vitória. Algo bonito. Memorável. Desordinário. Não vulgar. Artístico. Criativo. Algo pra chamar de meu.

O futebol significa muito mais coisas. De volta pras mitologias, pros sonhos, para o inconfessável.

Após o Mantiqueira, eu sempre estive no time de fora, eu sempre fui do contra. Onde estão os meus?

A minha covardia é imensa e inequívoca, se não fosse ela estaria morto. Ou não?

Lembro do Blau-Blau, da turma do Mangue, amigos de um canto da Barra Funda. Da Brigadeiro Galvão, da Conselheiro Brotero, da Gabriel dos Santos.

Jogávamos antes do tempo do Play Ball, no Piolim, onde havia sido o circo do Piolim. Espaço vazio, um campo perfeito, quase gramado, ali no Minhocão, na General Olimpio da Silveira, quase no Pacaembu. Blau-Blau dizia:

- Ele é bom, mas ele desiste.

O que acontece é eu não ia a mil, nunca fui 100%%. Decidi alguns jogos, tive minhas vitórias. Não fui um craque, alguém a ser lembrado, mas não é isso. Não é isso que eu estou falando.

Nunca dei tudo de mim, nunca enfrentei o mundo, a estupidez do mundo, a violência do mundo. Não enfrentei a vida, não fui contra o destino. Nunca fui "á muerte", como dizem os argentinos.

Eu fui quase.

O Mundo além dos muros do Mantiqueira.

Penso nas vezes que joguei contra o Chips em Atibaia, no campinho do sítio do maestro José Briamonte. Passava pelo Chips todas as vezes, TODAS AS VEZES. Ele estava no auge, bicampeão 81/82 juvenil pelo São Paulo - cujo meio de campo era Vizzoli, Silas e Renatinho. Claro, ele não podia me bater. Estávamos em família, jogando bola.

Imagine se eu fosse jogar contra ele no Maria José, numa sexta-feira á noite, o que ele faria comigo. Eu passaria alguma vez, ALGUMA VEZ, por ele?

Inconfessável minha covardia perante a vida, perante o jogo, perante tudo, poderia ter sido diferente?

O futebol significa muito mais coisas. De volta pras mitologias, pros sonhos, para o inconfessável.

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