sábado, 23 de março de 2013

nós que passamos apressados pelas ruas da cidade, nos enganamos mutuamente com desejos de coisas boas que definitivamente nunca vão acontecer.

Esquecido por todos, Spencer está esparramado no chão, tamborilando distraidamente uma mazurka, uma valsa tosca, e dança com os dedinhos.

Na sombra, distante da luz que chegava da estrada, distante da chuva que cai, distante de todos, observa da plateia, a não-ação desenrolar.Parece que uma orgia irá começar, mas tanto faz.

O corpo esticado, uma perna dobrada, a cabeça pendida para o lado, adivinhou o final, aspira o ar devagar e está pronto para partir.

Os outros, o negro cortês, o índio valente, a puta amorosa, o jovem idealista, vivem suas rotinas como se estivessem num teatro, falando como se falassem para espectadores, mas permanecendo surdos, porém e entretanto,  para o mundo.

A apresentação cartesiana das personagens, seus pequenos dramas, suas vidas insossas, seu destino previsível, seus amores impossíveis, tudo tão infinitamente tedioso...

O fim de todos só podia ser um.

Entre esses pequenos dramas, os dramas maiores, coletivos, também não interessavam a ninguém. Repetidos ensaios em sociologuês barato, saídos das máquinas de palavras, sem encontro possível de eco, sem chances de fazer despertar nada nem ninguém.

Enquanto discutem ao redor da fogueira, sonhando o impossível,prestes para iniciar uma bacanal, o grupo não percebe a retirada do gatuno Spencer, que, levantando suavemente, antecipou-se em muitos minutos à chegada do grupo que havia prometido incendiá-lo. E, ora vejam...

O bando que havia permanecido na Taverna, sem nada para distrair-se, lembrou do prazer de incendiar mendigos. Rindo alto, cantando canções de bravata, de porretes nas mãos e lindas tochas, caminhava célere com a intenção firme de por fogo na velha estação ferroviária,e assim incendiar o vagaba mor,o velho Spencer.

Spencer sequer deu-se ao trabalho de assistir ao incêndio.

Não viu o bando cercar a estação e não dar nenhuma chance aos que, entretidos com a orgia, não tinham olhos nem ouvidos para nada que estivesse fora do alcance imediato das mãos.

A Estação em poucos minutos estava inteiramente destruída, não houve tempo para heroísmos ou discursos moralistas e edificantes. Da mesma forma que chegaram ao mundo, partiram. Não deixaram marca nenhuma no mundo, não encontraram sentido em nada, viveram e só isso.

Spencer, as solas dos sapatos gastas, a roupa poida   de volta a estrada, o dia quase amanhecendo, pôs-se a cantar, sem necessidade de aplausos ou medalhas, beijo de namoradas, tapinhas nas costas ou medalhas.

Cantava para si, feliz e somente feliz.

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