quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

meu ateísmo



o meu ateísmo dura até a dor de dente,  o da maioria dura até ouvir o barulhinho da máquina do dentista. poucos ateus aguentam uma extração de dente do siso sem anestesia.

o meu ateísmo dura duzentos metros, a distância da minha casa até a catedral da do bixiga; o de muitos dura até a primeira esquina, o primeiro encontro com o estranho, o esquisito, um fantasma.
poucos ateus suportam uma vida inteira de caminhada sem companhia.

meu ateísmo dura até o primeiro movimento, lento e largo, da sinfonia número 3 de Gorecki; o de muitos ateus dura no máximo até o funk barulhento atrapalhar a novela das 9.
poucos ateus suportam uma vida inteira sem música, sem som e repleta de nostalgia e solidão.

meu ateísmo dura até o primeiro por do sol, o da maioria dura até o breu total.
poucos ateus mantem a ingenuidade.

meu ateísmo dura até a primeira barra, impossível de segurar sozinho.
meu ateísmo dura até hora do amar, hora minha, dividida  e multiplicada, com ela, só minha.
meu ateísmo dura até a singeleza dos versos que não me deixam sozinho.
meu ateísmo dura ate o voo do sábia, até a flor deixada no chão, até a palavra que me cala, e faz-me falar.
meu ateísmo dura até a incompreensão de tudo isso.
meu ateísmo dura até a emissão do acaso, do encontro fortuito, da ausência absoluta, do todo superlativo, de saber-se só, singularmente só.
meu ateísmo dura até a primeira gota de chuva nesse fim de tarde.
meu ateísmo dura um segundo, o primeiro ficou sozinho.  a maioria dos ateus segura a barra até o encontro com a morte.
poucos ateus suportam a barra de, sabendo-se um ponto de luz isolado, cercado de sombras eternas num mundo sem sentido, sem voz, sem destino, cheios de dor e fastio, continuam a continuar, mantendo-se, sabe-se Deus lá como, vivos.

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