domingo, 19 de julho de 2015

um gato


Era um gato desavisado. Estando ali, só, assim: onde não deveria passar perto.
Velho e estropiado. Caminhando assim de lado, ia gato, de banda junto ao muro, talvez uma perna luxada,talvez o rabo quebrado. Um gato, ainda.
Muito velho para qualquer coisa mais, não emitia um ruído, não esbarrava em folha, não roçava um mato, só os olhos brilhando na noite alta.
Sua feiura incomensurável, a falta de jeito, a cor  indefinível - malhado, preto, branco, amarelo, marrom, pardo? os olhos escuros, mas não pretos - castanhos, esverdeados, amarelados? o pelo sempre sujo, encrespado, amarfanhado, haviam-no poupado de dono, travesseiro, leite morno, banhos em feriados. 
Não tinha toca, buraco, cano, telha, ninho, caixa de sapato; dormia há quase um quarto de século ao relento em qualquer acaso. Chuva, vento, frio, geada. Granizo. Trovões. Chutes, bombas, imprecações, cruz-credo, passos desviados. E restos de comida, nunca na tigela. Nunca um único afago.
Mas o amor das gatas.
Gatas limpas, mansas, ariscas, estilosas, furiosas, velhas. Lalás, Mimis, Cocós. Siamesas, angorás, brancas, pardas, tigradas. Muitas gatas pretas. O amor de muitas gatas. Gata de pelos lisos escovados,  de pelos igualmente sujos, pelos compridos, pelos curtos, sem pelos, de pelos eriçados. Sem rabos. Sem uma pata. Sem bigodes.  Sem orelhas. Gatas.
Ouvi o passar macio, sem ruído (nenhum latido de cão) desse gato velho e estropiado por entre as folhas do abacateiro, junto ao muro do Lar São Francisco para Cães Abandonados; setenta e dois cachorros furiosos, babando, sempre esfomeados; livres de hipocrisia, cheios de raiva  e insanidade, soltos no páteo, atentos a qualquer silvo ou chiado, ao mínimo cheiro e lá ia o gato cambaleando junto ao muro, desavisado? subiu o muro sem um ruído ou dificuldade ( nenhum latido de cão) . Antes de pular para dentro. olhou para mim

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